Para Juscelino Kubitschek, Oswaldo Aranha foi “um homem de rara força intelectual cuja generosidade se tornou legendária”. Tancredo Neves o descreveu como dono da “mais bela e mais completa carreira de homem público do Brasil”. Na definição de Fernando Henrique Cardoso, era “uma dessas raras personalidades políticas cuja dimensão o tempo só faz ampliar”.

Unanimidade na visão de grandes estadistas brasileiros, o político e diplomata nascido em Alegrete (RS) se projetou mundialmente ao atuar em momentos decisivos da história do País: a Revolução de 1930, que não teria ocorido sem sua liderança; o ingresso do Brasil ao lado das forças aliadas na Segunda Guerra, contrariando a posição de apoio à Alemanha que predominava no governo; e a criação do Estado de Israel, quando presidiu a Assembleia das Nações Unidas, em 1947.

CONSAGRADO A capa do livro com foto de 1930 (Crédito:Divulgação)

Bem documentada em uma dezena de livros, a vida do brasileiro que indicado ao Prêmio Nobel da Paz ressurge em “Oswaldo Aranha — Uma Fotobiografia” (Capivara Editora), de Pedro Corrêa do Lago. Mestre em economia, bibliófilo, colecionador, livreiro e editor, Pedro é também neto de Oswaldo Aranha. “O leitor talvez se surpreenda com episódios pouco conhecidos da vida dele e da história do Brasil que está ali,”, disse o autor à ISTOÉ. “O livro é marcado pela memória familiar e molhei a pena nas cores de meus afetos”.

“Meu profundo agradecimento por tudo que fez para transformar a solidariedade do hemisfério em realidade” Franklin Roosevelt, presidente dos EUA, em carta ao brasileiro

Concebido originalmente para celebrar o centenário de Oswaldo Aranha (1894-1960) a obra só ficou pronta mais de vinte anos depois. A espera foi compensada com uma edição primorosa. Traz mais de 600 imagens, das quais pelo menos 70% inéditas, e cerca de 500 depoimentos, tanto de contemporâneos quanto de estudiosos do período em que ele atuou. Há cartas de e Nelson Rockfeller, fotografias ao lado de Walt Disney e Orson Welles, o retrato pintado por Cândido Portinari, a maquete de Oscar Niemeyer para o Memorial Oswaldo Aranha e até sua certidão de óbito.

Gavetas cheias

Além dos mais de 100 mil documentos de seu arquivo oficial doado pela família ao Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC), o livro se apoia na infinidade de artigos publicados na imprensa do Brasil e do exterior — entre eles uma capa da revista “Time”. Como se tudo isso não bastasse, o autor teve acesso a itens antes restritos ao âmbito

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Edição da “Time”: feitos incomparáveis (Crédito:Divulgação)
Divulgação

familiar. “Minha mãe manteve duas gavetas enormes, cheias de fotos e recortes que não foram para o CPDOC”, diz Pedro.

Essa rica documentação permite compreender a trajetória política de Oswaldo Aranha dentro e fora do Brasil e sua ascensão como diplomata no delicado período da Segunda Guerra. Imerso no ambiente em que Oswaldo Aranha viveu e nas consequências imediatas das escolhas que ele fez, o leitor é estimulado a imaginar como o Brasil poderia ser diferente hoje caso esse personagem singular tivesse vivido um pouco mais — ou ampliado seu raio de atuação política. Quando morreu, aos 65 anos, ele havia aceitado concorrer à vice-presidência da República na chapa liderada pelo marechal Henrique Teixeira Lott. O sonho de se eleger presidente, claro, vinha de bem antes— e poderia ter se realizado ainda no desfecho da Revolução de 1930, quando foi minado pela lealdade ao conterrâneo Getúlio Vargas. “Toda vez que o nome de Oswaldo Aranha se fortalecia como possível candidato à presidência, Getúlio dava um jeito de afastá-lo”, diz o neto. Depois de ocupar os ministérios da Justiça e da Fazenda do governo Vargas, o escudeiro fiel do caudilho foi despachado para os Estados Unidos, em 1934, na condição de embaixador do Brasil em Washington. Lá, ao ver como o país se recuperava da crise de 1929, com o sucesso do New Deal, Oswaldo Aranha intuiu que aquela democracia federativa poderia ser um modelo para o Brasil. Acertou.

Nobel da paz

O contato com o presidente americano Franklin Roosevelt, de quem Aranha se tornou amigo, foi decisivo para formar sua visão avançada de política internacional e convencer Getúlio a se aproximar dos aliados na Segunda Guerra. Ministro das Relações Exteriores de 1938 a 1944, ele incentivou o asilo de refugiados do nazismo, fato que tornou o Brasil um dos países que mais acolheram judeus naquele período.

“É irônico que ele, com tudo o que fez, tenha permanecido no imaginário associado a um filé”
Pedro Corrêa do Lago, neto e biógrafo de Oswaldo Aranha

Vencida a Guerra, Aranha mostrou habilidade ao presidir a Assembleia Especial das Nações Unidas que criou o Estado de Israel a partir da divisão da Palestina. “Ele teve uma atuação poderosa nos bastidores, usando seu poder regimental”, afirma Corrêa do Lago. Sabendo que não havia votos suficientes para a partilha, o brasileiro adiou a votação, aproveitando um feriado nos EUA. Assim, teve dois dias para obter os votos que faltavam.

“É irônico que ele, com tudo que fez, tenha permanecido no imaginário associado a um filé”, diz o neto, referindo-se a um prato clássico da culinária brasileira — o filé à Oswaldo Aranha. Reza a lenda que a receita surgiu no Restaurante Cosmopolita, no Rio de Janeiro, então apelidado de “Senadinho” por concentrar políticos quando a cidade era capital federal. Consiste em um filé mignon alto temperado com alho frito, guarnecido por batatas portuguesas, arroz branco e farofa de ovos.

Caso tivesse recebido o Prêmio Nobel da Paz, para o qual foi indicado em 1948, ao lado de ninguém menos que Gandhi, Oswaldo Aranha hoje seria conhecido como o único brasileiro a merecer tal honraria. Curiosamente, o prêmio daquele ano não foi entregue a ninguém.


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