EUFORIA Thiago Braz, do salto com vara, eletriza a torcida no Engenhão com sua ousadia e derrota o francês Reinaud Lavillenie
EUFORIA Thiago Braz, do salto com vara, eletriza a torcida no Engenhão com sua ousadia e derrota o francês Reinaud Lavillenie

Enquanto o BRT, como são chamados no Rio de Janeiro os ônibus com ar condicionado que circulam em vias expressas, avança rapidamente, um grupo de torcedores brasileiros comemora o ouro do boxeador Robson Conceição, conquistado minutos antes. Eles estão felizes, cheios de revigorado orgulho nacional, e cantam a plenos pulmões palavras que reverenciam o País onde nasceram. “Brasil, Brasil, Brasil”, gritam, para espanto – e certa inveja – dos estrangeiros que dividem o coletivo. A cena traduz os três maiores legados que a Olimpíada deixará. O primeiro diz respeito às melhorias trazidas para a cidade-sede. Símbolo onipresente destes Jogos, os BRTs são um avanço e tanto. Confortáveis, velozes e eficientes, eles percorrem, graças à Olimpíada, 155 quilômetros de vias, devendo atender, após o término das competições, um contingente de 2,5 milhões de pessoas. O triunfo de Robson, o primeiro do boxe brasileiro em quase 100 anos de Olimpíadas, é a imagem perfeita do legado esportivo, a prova de que os Jogos no Brasil ajudaram a desenvolver modalidades que andavam esquecidas. O terceiro legado é provavelmente o mais perceptível. Como há muito tempo não se via, os brasileiros estão cheios de esperança, felizes com a Olimpíada que foram capazes de organizar e com a oportunidade rara de desfrutar de um período luminoso de uma das cidades mais iluminadas do mundo. A Olimpíada reergueu a nossa auto-estima e varreu para longe o desânimo político e econômico que paralisou a nação nos últimos dois anos.

CONSAGRAÇÃO A dupla do vôlei de praia Bruno Schmidt e Alison vence italianos e leva o ouro na Arena de Copacabana
CONSAGRAÇÃO A dupla do vôlei de praia Bruno Schmidt e Alison vence italianos
e leva o ouro na Arena de Copacabana

Antes de as competições começarem, os Jogos do Rio enfrentaram intenso ataque. Uma sórdida campanha internacional, motivada tanto por desinformação quanto por preconceito, dizia que o mundo estava prestes a conhecer uma tragédia. Dentro do próprio País, por motivações políticas ou pura má-vontade, muita gente duvidou do sucesso do evento, como se o Brasil estivesse condenado, por alguma insondável força superior, ao fracasso eterno. No campo esportivo, deu-se algo parecido. Bastaram algumas derrotas iniciais para os pessimistas de plantão entrarem em cena, praguejando contra os atletas nacionais. Por mais que tenham tentado denegrir o Rio, por mais que os chatos e ignorantes tenham dito no começo das disputas que nossos competidores eram uma porcaria, é impossível ocultar a verdade. O Rio de Janeiro fez uma grande e inesquecível Olimpíada.

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BRILHO A quase perfeição garantiu a prata ao ginasta Arthur Zanetti, sua segunda medalha em uma olimpíada
BRILHO A quase perfeição garantiu a prata ao ginasta Arthur Zanetti, sua segunda medalha em uma olimpíada

 

Se você era contrário à realização do evento no País, preste atenção a este argumento: o Rio de Janeiro se tornará uma cidade melhor depois dos Jogos. A degradada zona central agora é um lugar com museus, restaurantes e agitada vida noturna. A cidade ganhou um novo polo turístico, especialmente no entorno da outrora decadente Praça Mauá. “A restauração da Zona Portuária é um projeto extraordinário”, diz o urbanista Jaime Lerner. A valorização de regiões centrais foi um movimento bem-sucedido em cidades como Barcelona, na Espanha, e Berlim, na Alemanha, tendo forte impacto nos negócios turísticos.

 

INEDITISMO Pugilista Robson Conceição leva a primeira medalha de ouro para o boxe ao derrotar o francês Sofiane Oumiha
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Na área de transporte, os ganhos são ainda mais evidentes. Além dos funcionais BRTs, o município recebeu uma nova linha de metrô, que liga Ipanema à Barra da Tijuca. Se antes o trajeto de carro levava mais de uma hora, agora é possível ir de uma ponta à outra, sobre trilhos, em 20 minutos. Também entrou em cena o bonde VLT (Veículo Leve Sobre Trilhos), que liga a rodoviária e o aeroporto Santos Dumont a estações de metrô. A cidade herdará outros benefícios. Após a realização da Paralimpíada, entre 7 e 18 de setembro, os equipamentos olímpicos começam a ser desmontados para servir a cidade. O 1,18 milhão de metros quadrados do Parque Olímpico será fatiado em empreendimentos residenciais e comerciais, centro de treinamento para atletas de alto rendimento e ginásios municipais.

GARRA Judoca Rafaela Silva vence preconceito e racismo e leva o primeiro ouro olímpico da Rio-2016 para o Brasil
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IMAGEM TRANSFORMADA

Em termos de imagem, é incalculável o valor da Olimpíada para o Rio. Os cenários espetaculares em que foram realizadas algumas competições – canoagem e remo na Lagoa Rodrigo de Freitas, triatlo em Copacabana, ciclismo em plena Floresta da Tijuca – percorreram o mundo e reforçaram a impressão, de certa forma já difundida, de que se trata de uma cidade de beleza radiante. Olimpíadas anteriores mostraram que um evento deste porte é capaz de impulsionar o turismo durante muito tempo. Depois de Barcelona-1992, a cidade viu o número de visitantes estrangeiros aumentar 40% em 5 anos. Em Sydney, que promoveu os Jogos de 2000, o percentual chegou a 30%. Qual será o impacto no Rio, que certamente transmitiu para o mundo imagens mais impactantes? Durante os Jogos, era quase impossível encontrar um turista insatisfeito. Eles ficaram extasiados, e isso não é uma mera percepção. Segundo o Ministério do Turismo, 83% dos estrangeiros que estiveram no Rio durante o período de Jogos pretendem voltar à cidade. Eles gastaram, de acordo com a Riotur, R$ 5 bilhões, mais dos que os R$ 4 bilhões previstos. Influenciada pelo sucesso da Olimpíada, a última edição da revista inglesa The Economist disse que o Brasil, agora, só tem um caminho a seguir: “para cima.”

FESTA Turistas passeiam em frente ao parque olímpico da Barra da Tijuca antes das competições
FESTA Turistas passeiam em frente ao parque olímpico da Barra da Tijuca antes das competições

Legado visível
Alguns benefícios que os Jogos trouxeram para a cidade

Corredores de ônibus
Há seis anos, os corredores de BRT nem existiam. No final de 2017, após investimentos de R$ 5,7 bilhões, serão 155 quilômetros de vias, atendendo 2,5 milhões de cariocas

Novas linhas de metrô
A linha 4 do metrô, orçada em R$ 8,7 bilhões e que está quase pronta, somará 6 estações à rede. A expectativa é transportar 300 mil pessoas por dia

Recuperação do centro
Ao custo de R$ 8 bilhões, a Praça Mauá e a Avenida Rio Branco foram reformadas, dois museus saíram do papel (Museu da Arte do Rio e Museu do Amanhã), uma linha de VLT surgiu e a região se transformou num novo polo turístico

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Antes da transmissão das primeiras imagens que maravilharam o mundo na cerimônia de abertura, os brasileiros iam por roteiro exatamente oposto: para baixo. Nenhuma outra nação enfrentou tantos desafios quanto o Rio para promover uma Olimpíada, o que só reforça o caráter extraordinário do evento que acaba no domingo 21. “Os Jogos provaram que podemos mudar o País se realmente quisermos”, diz o ex-atleta Robson Caetano, medalhista de bronze em duas Olimpíadas (Seul-1988 e Atlanta-1996). “Agora, parece que entramos numa onda positiva.” Pesquisador e editor do livro “Brasil em Jogo: o que fica da Copa e da Olimpíada”, o psiquiatra Joel Birman vai além. “Houve uma fratura social no País e a Olimpíada, de fato, representou uma trégua nos conflitos”, diz ele. Para a ensaísta Rosiska Darcy de Oliveira, imortal da Academia Brasileira de Letras, “os Jogos foram uma recarga fundamental de baterias para todos os brasileiros.”

A Olimpíada também produziu heróis que encheram a nação de orgulho. No salto com vara, o paulista Thiago Braz quebrou o recorde olímpico, superou o francês que detinha a melhor marca da história e deu uma lição de humildade ao pedir que a torcida aplaudisse os rivais. No boxe, o baiano Róbson Conceição ofereceu a medalha de ouro às crianças de um projeto social onde atua como voluntário. Na ginástica, Diego Hypólito emocionou o País inteiro ao protagonizar uma das grandes reviravoltas da história do esporte brasileiro. Durante muito tempo tratado como uma piada por ter caído nas apresentações de solo nos Jogos de Pequim-2008 e Londres-2012, Diego desta vez foi preciso e ficou com a prata. “Não me sinto um campeão do esporte, mas um campeão da vida”, afirmou.

ASCENSÃO Wagner Domingos no lançamento de martelo: primeira vez em 80 anos que um brasileiro participa da prova masculina
ASCENSÃO
Wagner Domingos
no lançamento de martelo: primeira vez em 80 anos que um brasileiro participa da prova masculina

HERANÇAS POSITIVAS

O Rio deixará um legado esportivo importante para o Brasil. Jamais o País havia conquistado tantas medalhas em tantas modalidades diferentes. Pela primeira vez, subimos ao pódio na canoagem. Depois de quase um século, o boxe e o tiro triunfaram. Na ginástica, foi a primeira que vez que dois brasileiros ocuparam duas posições do pódio. A maratona aquática faturou um inédito bronze. Obviamente, houve dor, derrota e sofrimento, mas esporte é assim. Se Fabiana Murer mais uma vez falhou no salto com vara, compensamos isso com o resultado extraordinário de Thiago Braz. Se o vôlei feminino decepcionou, as velejadoras Martine Grael e Kahena Kunze mantiveram a sina desse esporte, que sempre assegura medalhas para o Brasil.

Inspirar pessoas é uma das premissas de todos os Jogos. Quantas garotas não querem ser iguais a Rafaela Silva, ouro no judô? O tão falado legado diz respeito também a muitos aspectos intangíveis. A lembrança positiva de uma determinada prova é um legado. A vontade de se tornar um atleta, idem. “As possibilidades para o futuro são muito interessantes”, afirma Marcus Vinicius Freire, diretor executivo de esportes do Comitê Olímpico do Brasil, que destaca outros benefícios. Pelo fato de sediar os Jogos, o Brasil ganhou o direito de debutar em esportes desconhecidas por aqui, como rúgbi e badminton. A inédita exposição dessas modalidades provavelmente trará novos adeptos. A Olimpíada representou um dos acontecimentos mais marcantes da história do País. Que os legados que ela deixou inspirem os brasileiros ainda por muitos anos.