Das paradisíacas margens do lago Nemi, bacia cercada de colinas na região central da Itália, os cidadãos comuns do Império Romano viam de longe as ruidosas festas sexuais que aconteciam à bordo dos barcos do amor de Calígula (12-41 d.C.), o mais polêmico dos mandatários da Antiguidade. Regadas a grandes quantidades de álcool, essas celebrações foram símbolos dos excessos do monarca, mas também sinalizaram sua ruína.

Naquela época, os plebeus apenas sonhavam com o que acontecia detrás das amuradas, mas uma nova pesquisa conduzida pela Agência de Proteção Ambiental da Calábria deve fornecer detalhes sobre os misteriosos navios. O estudo visa descobrir a localização da maior das três embarcações do imperador.

Também deve apagar a mancha deixada pela duvidosa destruição, durante a 2ª Guerra Mundial, dos dois barcos menores encontrados pelo fascista Benito Mussolini. “O navio de Calígula é importante porque foi o maior construído no período”, disse à ISTOÉ o geólogo responsável pelas buscas, Luigi Dattola. “Estimativas indicam que ele media 170 metros.”

Curto e intenso

Calígula ficou famoso pelo seu curto, porém intenso, comando de Roma. Em quatro anos, foi de mandatário amado pelo povo a vítima de um complô de senadores, fartos de seus desmandos. Os relatos sobre esse reinado foram escritos por historiadores desfavoráveis, por isso é difícil discernir lendas de fatos.

Entre os acontecimentos duvidosos estão o de que ele quis nomear cônsul seu cavalo, de que manteve relações incestuosas com três irmãs e de que mandou fechar a baía de Nápoles com uma sequência de barcos comerciais por puro capricho, entre outras insanidades. Apesar disso, a maioria dos historiadores concorda que o imperador apresentava perversões como essas em alguma medida.

Também há consenso de que suas excentricidades megalomaníacas dilapidaram os cofres romanos. “Mesmo que algumas das acusações sejam exageradas, Calígula parece ter tido uma natureza bastante instável”, afirma Francesco Camia, professor de arqueologia da Sapienza, Universidade de Roma, que não está ligado às buscas. “Talvez sofresse de problemas psicológicos.”

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“O navio de Calígula é importante porque foi o maior construído no período. Estimativas indicam que ele media 170 metros” Luigi Dattola, geólogo
“O navio de Calígula é importante porque foi o maior construído no período. Estimativas indicam que ele media 170 metros” Luigi Dattola, geólogo (Crédito:Alinari Archives)

Os barcos de Nemi são uma das muitas extravagâncias. Eles estavam para Calígula assim como os cruzeiros marítimos estão para endinheirados modernos. Mas como Calígula dava as ordens, lá dentro aconteciam de orgias a assassinatos. Os navios pareciam palácios flutuantes. Eles não se moviam, pois não possuíam sistemas de propulsão eficientes, e precisavam ser puxados pelo lago. Eram equipados com sistemas de água encanada (quente e fria) decorados com o nome do imperador.

OSTENTAÇÃO Os navios pareciam palácios flutuantes. Havia mosaicos e esculturas de materiais preciosos, como bronze e marfim
OSTENTAÇÃO Os navios pareciam palácios flutuantes. Havia mosaicos e esculturas de materiais preciosos, como bronze e marfim (Crédito:Divulgação)

Dentro das mansões construídas sobre o convés estavam mosaicos e esculturas de materiais preciosos, como bronze e marfim.

Um dos barcos era dedicado à deusa Diana, cujo culto era importante na localidade. Para além do luxo, algumas das tecnologias empregadas nas embarcações eram avançadíssimas para a época, como uma âncora cujo desenho foi esquecido pela história e só reinventada no século 19.

Os navios afundaram logo depois da derrocada de Calígula, com seu sucessor buscando apagar as memórias do tirano.

Tamanha suntuosidade não seria esquecida facilmente. A lenda dos barcos do amor de Calígula sobreviveu durante séculos. Várias tentativas frustradas de recuperá-los foram feitas desde a Renascença, quando se descobriu a localização de dois deles.

Pesquisadores usaram sonares para vistoriar as águas escuras do local e estão atualmente na fase de análise dos resultados
Pesquisadores usaram sonares para vistoriar as águas escuras do local e estão atualmente na fase de análise dos resultados (Crédito:Divulgação)

O sucesso veio durante a ditadura de Mussolini, que estava interessado em recuperar o passado imperial romano. Engenheiros do fascista mandaram drenar parte do lago para que as embarcações viessem à luz, ao invés de tentar levantá-las. Assim, os dois navios foram levados para um museu à beira do Nemi, nos anos 1930.

Uma década depois, com o fim da 2ª Guerra Mundial, esses achados arqueológicos foram perdidos após um incêndio consumir as embarcações. As maiores suspeitas recaem sobre soldados alemães, que teriam ateado fogo em represália à rendição da Itália. Mas não é descartado que a destruição tenha se dado pelos ataques de bombardeiros aliados.

Achados

Desde então, o terceiro barco permaneceu esquecido até que pescadores da região passaram a relatar que suas redes ficavam presas no fundo do lago e que de lá puxavam artefatos da Roma Antiga.

Muitos historiadores acreditam que a história do navio remanescente não passe de uma lenda, mas as autoridades italianas decidiram aproveitar um projeto de combate ao lixo depositado no Nemi para procurar pela embarcação.

Elas usaram sonares para vistoriar as águas escuras do local e estão atualmente na fase de análise dos resultados. Conclusões devem sair no meio do ano. “Eu espero que isso ajude a revelar evidências de um grande barco”, diz Dattola.


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