Filmes como “Nove Rainhas” (2000), “O Filho da Noiva” (2001) e “O Segredo dos Seus Olhos” (2009) fizeram de Ricardo Darín o embaixador do cinema argentino. Aos 60 anos, o ator especialista em humanizar os tipos que interpreta, até os mais sombrios e ranzinzas, traz mais de 80 títulos na bagagem. Hollywood cansou de convidá-lo para atuar em inglês, mas o portenho sempre disse “não”, mantendo a sua trajetória profissional como uma referência do pulsante cinema de seu país.

“Não há ferramenta mais importante para um ator que o pensamento. Como é difícil para mim pensar em idioma que não seja o meu, parabenizo quem consegue”, afirma o ator, protagonista de mais duas produções faladas em espanhol. “Neve Negra”, em cartaz nos cinemas brasileiros desde a quinta-feira 8, é o filme nacional de maior bilheteria na Argentina neste ano, com um público de cerca de 700 mil pessoas. “La Cordillera”, ainda sem data de lançamento no Brasil, teve sua première mundial na recém-encerrada 70ª edição do Festival de Cannes.

Em “Neve Negra”, de Martin Hodara, Darín mantém a forte presença em cena, ainda que seu personagem seja um tipo calado e arredio. Ele é um caçador que vive isolado na Patagônia, atormentado pela culpa de ter matado, na adolescência, o irmão caçula por acidente. O pesadelo é revivido 25 anos depois, com a chegada do irmão do meio (Leonardo Sbaraglia) e da cunhada (Laia Costa), que querem discutir a venda das terras.

Personagens marcantes
Três papéis que resumem o carisma que fez de Darín o embaixador do cinema argentino

Precoce
Darín também dá credibilidade ao filme “La Cordillera”, de Santiago Mitre, interpretando um fictício presidente da Argentina durante uma conferência de cúpula com líderes latino-americanos nos Andes, no Chile. Denúncias de corrupção, intrigas políticas e rivalidades esquentam a reunião que poderá colocar um fim em sua carreira na Casa Rosada.

“A arte e a cultura servem para reparar feridas e dores. Devem trazer ainda um olho crítico e uma opinião independente, que não estejam intoxicados por nenhuma tendência política”, diz Darín, filho dos atores Renée Roxana e Ricardo Darín, que o colocaram para atuar, na televisão, quando ele tinha apenas 2 anos.

“Não senti o peso do sobrenome ao abraçar o ofício dos meus pais. Tive orgulho ao fazer essa escolha e espero ter dado orgulho a eles”, conta o ator, que vê a situação se repetir com o filho mais velho. Chino Darín, de 28 anos, estreou como ator em 2010 na série argentina “Alguien que me Quiera”.

“É bom ver Chino seguir o mesmo caminho, mas usando as próprias ferramentas”, diz Darín, sempre simpático nas entrevistas — o que faz dele uma das figuras mais queridas do cinema latino-americano.

Entrevista

Ricardo Darín
Ricardo Darín (Crédito:Divulgação)

O senhor projeta naturalmente uma imagem de honestidade. Ser escolhido para interpretar o político em “La Cordillera” é para confundir o espectador?

Não sei se é para confundir. O que todo político quer é alcançar uma proximidade com o povo, fazendo com que acreditem nele. Eles precisam mostram que estão abertos a escutar os pedidos. É um clichê histórico. Isso acontece porque a política deixou de ser uma vocação, pensando no bem público, para se tornar uma carreira.

Como vê a relação entre os países latino-americanos. Seria uma falsa irmandade?

A tão buscada fraternidade latino-americana, incluindo o projeto do Mercosul, é certamente uma ambição, no sentido de tornar a região mais poderosa. Mas as democracias nesses países ainda são muito jovens. Como não tivemos ainda o tempo necessário para a cicatrização das feridas, isso afeta a nossa ordem de prioridades. Ainda não nos demos conta de que nossa melhor opção é transformar a fraternidade em realidade. As rivalidades esportivas, aparentemente cômicas, não ajudam a apagar as fronteiras, acentuando-as.

Acompanha as notícias políticas do Brasil, sobretudo os escândalos de corrupção?

Estamos todos preocupados. Para a Argentina, tudo o que ocorre no Brasil é importante, pela nossa relação histórica e pela proximidade. Se algo treme no Brasil, sentimos na Argentina imediatamente. Sinto que falta uma decantação na política brasileira. O que todos pedimos é uma maior transparência. O que escutamos nas promessas de campanha precisa ser uma proposta real e não apenas um plano de exposição só para contar com nossos votos.