Em uma era de valorização da individualidade, não surpreende que o aumento no número de pessoas vivendo sozinhas tenha batido recorde em 2017. No Brasil, são 8,2 milhões, quase o dobro do registrado há dez anos, 4,3 milhões. É uma tendência de escala global: em todo o mundo, chega a 300 milhões, que devem aumentar em mais 120 milhões até 2030. De acordo com uma projeção da agência de pesquisa Euromonitor, o segmento dos sozinhos é o que mais cresce. O fenômeno reflete três grandes mudanças nas configurações sociais e populacionais: casamentos tardios, crescimento no número de divórcios e aumento da expectativa de vida, como explica Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, que levantou os dados entre os brasileiros. Essa nova estrutura, apesar de ainda fazer testas franzirem, corrobora para o surgimento de iniciativas voltadas para o nicho específico dos solteiros. “A tendência cria novas oportunidades de mercado. Não só vai continuar como vai crescer”, afirma Meirelles.

O boom dos imóveis compactos é um outro sinal desses novos tempos. Na cidade de São Paulo, apartamentos com menos de 45 m2 já são quase a metade de todas unidades lançadas neste ano segundo dados do Secovi-SP, o sindicato de habitação do Estado. A procura por apartamentos pequenos cresce à medida que mais pessoas decidem viver sozinhas e, querendo pagar cada vez menos, os espaços também diminuem. A advogada Flavia Bortolini, 25, mora sozinha há quatro anos em um apartamento de 35m2. Contrariando um padrão cada vez mais anacrônico de sair de casa para casar, decidiu primeiro morar com uma amiga e, depois, se aventurar solo. “É muito bom ter minhas casa, minhas coisas, fazer o que eu quero e na hora que eu quero”, diz. Para os momentos de solidão, Flavia conta com a companhia do buldogue francês Lorde. Ela também comenta que tem notado aumento na variedade de produtos disponíveis para seu perfil. “Há várias opções pequenas de comida pronta, daquelas que só precisa colocar no micro-ondas”, responde. A advogada também enfatiza que morar sozinho é algo bastante comum entre os amigos.

“É uma tendência que cria novas oportunidades de mercado. Não só vai continuar como vai crescer” Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva

Conhecida por lançar os menores apartamentos do País – há um mês, apresentou um edifício com unidades de apenas 10 m2 –, a construtora Vitacon segue uma tendência observada em grandes centros urbanos ao redor do mundo, como Londres e Nova York, para aplicá-los no Brasil. CEO da empresa, Alexandre Lafer Frankel, afirma que os brasileiros já não têm a mesma pressa para casar como antigamente e, mesmo quem casa, acaba tendo famílias menores. De acordo com o último levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2005 a 2015 a taxa de fecundidade caiu de 2,09 para 1,72 filhos por mulher, e a porcentagem de casais sem filhos subiu de 15,2% para 20%. Em relação ao número de divórcios, outro fator que pesa no crescimento de moradores solitários, o aumento foi de 160% em uma década. Nessa estatística está o funcionário público Marcelo Spacassassi, 47 anos, que saiu de um imóvel de 70m2 após se separar da mulher e se mudou para um de 28m2. “No começo, me assustei, pensei que era muito pequeno e que não ia me adaptar”, diz. “Mas hoje gosto. Nesses prédios modernos há uma área de convivência grande, lavanderia, academia. E o espaço menor me faz aproveitar mais a vida fora de casa.”

CONSELHEIRA Renata Cruz, que criou um serviço de “amiga de aluguel”: encontro com clientes, a maioria mulheres, para sair e conversar (Crédito:Claudio Gatti)

AMIGO DE ALUGUEL

Há outros serviços de olho no filão dos sozinhos, dos mais tradicionais aos mais pitorescos. A empresária Renata Guedes Batista enxergou esse mercado já em 2015, quando abriu a agência Single Trips. “Em vez de uma agência tradicional, que em uma mesma viagem tem famílias e casais e a interação é mais difícil, oferecemos pacotes em que todas as pessoas têm o mesmo perfil: são sozinhas e querem fazer novas amizades”, diz. É voltada para um público com mais de 35 anos, e a procura é maior por mulheres que terminaram um relacionamento. Já teve 500 clientes em dois anos de existência, e os valores variam entre R$ 3 mil (destinos nacionais) e R$ 10 mil (destinos internacionais). Com uma proposta mais singular, Renata Cruz, 42 anos, pensou naqueles que querem aplacar a solidão ao criar um serviço de “aluguel de amiga”. É simples: encontra clientes, a maioria mulheres, por cerca de 50 minutos cobrando o valor de R$ 120 e faz as vezes de amiga. Ouve confissões, dá conselhos e acompanha em passeios. O serviço pode ser contratado pelo site www.aconselheira.com.br. “É uma ideia bem atual, inovadora. Esse mundo contemporâneo está muito maluco, as pessoas se ligam e desligam muito facilmente umas das outras”, diz Renata, que retornou de Portugal, onde já tinha clientes.

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“A decisão do casamento fica para frente e as pessoas procuram viver sozinhas como forma de se prepararem melhor para uma vida de divisão no futuro” Hélio Roberto Deliberador, professor do departamento de Psicologia Social da PUC-SP

Ainda que a ideia de viver sozinho pareça vir acoplada a um cotidiano de solidão e tristeza, a escolha não significa necessariamente se isolar. Hélio Roberto Deliberador, professor do departamento de Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), acredita que o fenômeno é apenas resultado dos impactos de uma vida urbana e contemporânea e um redesenho nas questões de relacionamentos. “A decisão do relacionamento sério fica para frente, e as pessoas procuram viver a experiência de estarem sós como forma de se prepararem melhor para uma vida de divisão no futuro”, afirma. “Tem, sim, um fenômeno de ensimesmamento cercando a condição humana atualmente. O que está acontecendo é consequência disso.”

NICHO Grupo de solteiros em Machu Picchu: agências de turismo criam viagens para desacompanhados (Crédito:Divulgação)


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