Revelou-se para o Brasil, na semana passada, o paradoxo dos pronomes pessoais. Ou melhor: a fantasia pronominal. Mais claro ainda: a mentira. Mentira do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que falsamente se alardeia pobre nos palanques para iludir, com a demagogia e o populismo de sempre, os corações e as mentes de brasileiros que são pobres de verdade ou toureiam a condição de classe média que vai empobrecendo.

O rei está nu, e agora até os mortos sabem que Lula é a cigarra fingindo-se de formiga. A mentira em questão, como toda mentira, mostrou suas pernas curtas quando na quarta-feira 19 o Banco Central comunicou ao juiz Sergio Moro que cumprira parte de sua determinação de bloquear recursos financeiros do ex-presidente e que também já promovera o sequestro e arresto de alguns de seus bens. Vinte e quatro horas depois, o Brasilprev, do Banco do Brasil, avisava que tornara indisponível cerca de R$ 9 milhões de Lula, distribuídos em dois planos de previdência.

A coisa é de pirar, é meio esquizofrêanica, é teatro do absurdo: Lula se diz “nós” mas é “eles”

Eis como formou-se o pardoxo: o BC bloqueou R$ 606.727,12 em quatro contas bancárias de Lula, existentes no Bradesco (R$ 63.702,54), Itaú (R$ 21.557,44), Banco do Brasil (R$ 397.636,09) e Caixa Econômica Federal (123.831,05). O sequestro e arresto de propriedades envolveram cinquenta por cento de três apartamentos e um terreno, todos localizados na cidade paulista de São Bernardo do Campo, onde mora o ex-presidente (os outros cinquenta por cento estão fora da ação penal porque pertenciam a Marisa Letícia, já falecida).

Entraram ainda nesse rol dois automóveis: um Ford Ranger LTD e um Omega CD. Quanto aos planos de previdência bloqueados, um deles está inchado com R$ 7.190.963,75 e o outro guarda R$ 1.848.331,34. Pois bem, vindo à tona essa notícia, veio também a perplexidade: “mas Lula não se diz pobre?”; “mais que pai dos pobres (slogan de Getúlio Vargas do qual ele se apropriou), o ex-presidente não se coloca pessoalmente como pobre?”; “e por acaso pobre ou mesmo gente da classe média têm seiscentos mil reais depositados em conta corrente, como se tal quantia fosse troco que se esquecesse adormecido?”. Nessa toada o espanto cresceu, cresceu e virou o paradoxo dos pronomes referido no início desse texto.

Eu sempre lidei bem com pronomes pessoais e sei distingui-los:
Eu
Tu
Ele, Ela
Nós
Vós
Eles, Elas

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Apesar de bastante familiarizado com tais pronomes, confesso que me senti um tanto confuso. Não, não foi Sergio Moro quem me confundiu não, quem me atrapalha é Lula. Se ele encontrar um caixote pela frente, sobe no dito cujo e discursa, e não há discurso no qual não esgoele o surrado bordão “nós” contra “eles”, “eles” e “nós”, a terceira pessoa do plural contra a primeira pessoa, também do plural, ou vice-versa.

Por “nós”, na gramática da intolerância formulada por Lula, entenda-se todos aqueles que concordam com ele, todos aqueles que o ex-presidente traduz como pobres. Por “eles”, seguindo ainda a cartilha lulista, são os indivíduos que não gostam do PT, e então, segundo tal regra radical e obtusa, são rotulados de “burgueses”, “ricos”, “coxinhas”. Ser “eles”, para Lula, é ser “elite”.

O “nós” contra “eles” vale para a questão do impeachment de Dilma Rousseff, vale para quem crê ou não crê em sua santa inocência, mas abrange sobretudo a questão de dinheiro – relembrando que tudo é fantasia e populismo, que o cerne da questão (no caso do PT é xis do problema mesmo) consiste em estar ou não estar “fechado” com o “companheiro”.

Se “nós” são os desvalidos e “eles” são a elite, dá para Lula se encaixar no primeiro pronome, tendo R$ 606 mil em conta corrente, R$ 9 milhões em previdência, mais imóveis e carros? Sinceramente, é claro que não dá. A coisa é de pirar, é meio esquizofrênica, é teatro do absurdo: Lula se diz “nós” mas é “eles”!

E com certeza tem milhões de “eles” espalhados pelo Brasil que, vendo agora o que Lula tem, bem que gostariam de ser “nós” – não o “nós” de pertencer ao PT, mas o “nós” em matéria de patrimônio e grana. E, falando-se em dinheiro, a partir do cacife de Lula exibido publicamente, torna-se inevitável a indagação: de que lado da moeda ele está?

Lula perdeu a munição de palanque. Caiu-lhe a máscara. Está órfão do pronome “nós”

Não se trata, aqui, de ser contra a riqueza de ninguém, desde que ela tenha sido conquistada, bem entendido, pelo mérito e não pela gatunagem, sobretudo a que deixa a Viúva à mingua. O nó é que as posses de Lula, segundo o Ministério Público Federal e o juiz Moro, são fruto da mais ampla e acabada rapinagem. E tanto é assim que a Justiça requereu cautelarmente o bloqueio e o arresto já efetuados, e ainda há mais a bloquear.

A aritmética é a seguinte: quando condenou Lula a nove anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, no processo do tríplex dado e reformado pela OAS, Moro também estabeleceu uma “multa” de R$ 16 milhões – mais ou menos o cálculo do quanto rendeu a Lula e a “agentes petistas” a maracutaia das propinas na Petrobras.

Desses R$ 16 milhões, a Justiça já bloqueara o valor do tríplex, e, agora, bloqueia o valor do terreno, dos dois carros, dos três apartamentos (um deles é onde o ex-presidente mora), o saldo nas quatro contas correntes e nas duas previdências. A soma de tudo que foi tornado indisponível resulta em cerca de R$ 15.644.000,00.

Assim, para se chegar aos R$ 16 milhões, faltam somente R$ 356 mil. Por enquanto, Lula não perdeu definitivamente nada do que lhe foi confiscado, mas, por outro lado, não pode dispor sequer de um centavo – deixará de ser dono no momento em que o TRF do Rio Grande do Sul confirmar a sua sentença condenatória. Quando se fala, no entanto, que o ex-presidente ainda não perdeu nada, há de se fazer uma importante ressalva. Ele perdeu, sim, a sua principal munição de palanque. Caiu-lhe a máscara. Lula está órfão do pronome “nós”.


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