“Nenhum verão a mais como este”. Cansados da invasão de seus espaços, os vizinhos do bairro de Barceloneta decidiram reconquistar a principal praia de Barcelona, um dos tantos destinos europeus que começa a ver com hostilidade o seu sucesso turístico.

Dos românticos canais de Veneza à cidade amuralhada de Dubrovnik, passando pela selvagem ilha escocesa de Skye, o antes bem visto turismo para alguns virou um pesadelo.

No bairro costeiro de Barceloneta, os vizinhos protestam há anos. Aos problemas de falta de civilidade, com muita bebedeira e sexo em espaços públicos, soma-se o astronômico encarecimento das moradias, impossibilitando a muitos de continuar vivendo ali.

“Não queremos turistas em nossos edifícios” e “não são bem-vindos”, diziam cartazes de um protesto de sábado em Barcelona, no qual dezenas de habitantes recuperaram um espaço da praia, normalmente dominada por turistas.

Manifestações semelhantes se espalham por toda a Espanha, o terceiro destino mundial, e com um setor turístico próspero graças à instabilidade de concorrentes como Tunísia e Egito.

Um grupo de extrema esquerda, inclusive, elevou o tom dos protestos no início do mês, invadindo um ônibus turístico em Barcelona para pintar o para-brisas e irrompendo no porto de Palma de Mallorca, nas ilhas Baleares, com sinalizadores de fumaça vermelha e lançando confetes nos frequentadores de um restaurante.

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Este popular arquipélago acaba de limitar a 623.000 os seus locais turísticos, e quer reduzi-los para cerca de 120.000 nos próximos anos.

“A base da economia, a base do trabalho, de tudo, é o turismo. Agora convém ter um turismo ordenado”, admite Arturo Monferrer, aposentado de 67 anos, em Palma.

– Explosão turística –

“Nunca acreditei que tivesse que defender o setor turístico espanhol”, atividade que gera 11% da riqueza do país, surpreendeu-se recentemente o chefe do Governo espanhol, Mariano Rajoy.

Internacionalmente, um em cada 10 empregos está relacionado a este setor que supõe 10% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT).

“O turismo não é o inimigo”, assegura à AFP o seu secretário-geral, Taleb Rifai.

De 1995 a 2016 o número de viajantes internacionais passou de 525 milhões para 1,235 bilhão, graças à criação das companhias de baixo custo e à incorporação de mercados emergentes como China, Índia e países do Golfo.

Mas alguns destinos parecem ter chegado ao limite.

Em Dubrovnik, na Croácia, parada de muitos cruzeiros e cenário da famosa série “Game of Thrones”, as ruelas de sua cidade amuralhada são um formigueiro a ser evitado pelos moradores locais.

“Às vezes, para entrar na parte antiga precisa esperar uma hora com uma temperatura de 40 graus”, lamenta Ana Belosevic, funcionária de um hotel de 27 anos.

As autoridades instalaram câmeras nos acessos à cidade amuralhada para controlar o fluxo de visitantes e querem reduzir a chegada dos turistas de cruzeiros.


Medidas similares foram implantadas na outra margem do mar Adriático, em Veneza, de apenas 265.000 habitantes e com 24 milhões de turistas por ano.

Na primavera, aprovaram a implantação de um sistema de reservas para ter acesso à popular praça San Marco nos horários de pico, e multa de 500 euros por fazer piquenique ou tomar banho nos canais.

Em Florença, as autoridades optaram por regar com mangueiras os arredores de seus principais monumentos, onde costumam sentar-se multidões de turistas para comer ou descansar.

– “Um bom problema” –

Entre as soluções apresentadas para esta saturação destaca-se dispersar os visitantes do centro para áreas menos frequentadas, afirma à AFP Rafat Ali, fundador da plataforma de informação turística Skift.

Mas isto expandiu o problema para zonas até agora alheias ao turismo, especialmente pelo surgimento de plataformas de aluguel de imóveis para férias como Airbnb, cujos anúncios aumentam em áreas residenciais.

Em Lisboa, a explosão do turismo nos últimos anos coloca em uma situação complicada os humildes moradores de seu bairro mais antigo, Alfama, cheio de apartamentos turísticos que encarecem o mercado imobiliário.

“Hoje em Alfama é difícil encontrar aluguéis por menos de 1.000 euros por mês, uma soma enorme em relação ao salário de um português, normalmente inferior”, explica Maria de Lurdes Pinheiro, presidente da associação de patrimônio e população de Alfama.

Inclusive na remota ilha de Skye, na Escócia, cuja paisagem selvagem atrai cada vez mais turistas, as autoridades se mostram preocupadas pelos colapsos nas estradas, o prejuízo ambiental e a falta de alojamento associada a este sucesso.

“A solução fácil é dizer ‘sem mais turismo’, mas é muito perigoso”, adverte Rifai. “Os mesmos que dizem hoje que não querem turismo serão os primeiros a chorar quando o perderem”, afirma.

E a Turquia sabe bem disso, já que está desesperada para impulsionar novamente um setor-chave cujos lucros caíram 30% em 2016 por conta dos atentados e do golpe de Estado frustrado.

Na terça-feira, o governo turco aprovou prolongar as férias da Festa muçulmana do Sacrifício para fomentar o turismo interno.


“Muito turismo é um bom problema a se ter. O pior é ninguém vir”, ironiza Rafat Ali.


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