A denúncia dos procuradores da Lava Jato contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aceita pelo juiz Sérgio Moro, colocou o Ministério Público Federal sob ataque. A queixa é que a equipe chefiada por Deltan Dallagnol não apresentou prova cabal que fundamentasse as acusações de lavagem de dinheiro e corrupção imputadas ao maior ícone petista. As críticas ao trabalho da força-tarefa partiram não só da tropa de choque petista mas de personagens da política nacional como o presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL), que recomendou aos investigadores acabar com o “exibicionismo” e separar o “joio do trigo”. Em entrevista à ISTOÉ, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, defende os colegas de Curitiba, classifica como “infelizes” as declarações de Renan e explica a dificuldade de encontrar a digital do mandante em crimes corrupção. “Condenar a pessoa que está no mais alto escalão de uma organização criminosa, na maioria das vezes, só se pode fazer com provas indiciárias”, afirma.

CAUTELAO presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República se diz contrário aos vazamentos da Lava Jato: “Os principais prejudicados são os investigadores”
CAUTELA – O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República se diz contrário aos vazamentos da Lava Jato: “Os principais prejudicados são os investigadores” (Crédito:Montagem sobre foto Roberto Stuckert Filho/PR)

Como o senhor avalia as críticas ao trabalho dos procuradores da Lava Jato após a denúncia contra o ex-presidente Lula?

Primeiro devemos olhar o que foi feito como peça processual. Havia maturidade suficiente para levar o processo a juízo. Quanto à entrevista [coletiva] em si, que eu acho que foi o mais criticado, gostaria de lembrar que a força-tarefa da Lava Jato já apresentou umas 15 denúncias. Em todas houve entrevista coletiva. A repercussão agora foi maior porque o personagem [Lula] atraiu mais o interesse da mídia. O personagem exigiu mais explicações. Todas as vezes em que se fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, há um crescimento nas paixões, o que é compreensível, mas que não tem reflexo no contexto jurídico.

Logo após a coletiva sobre a acusação contra Lula, coordenada pelo procurador Deltan Dallagnol, o presidente do Senado, Renan Calheiros, recomendou aos investigadores que acabassem com o “exibicionismo” e separassem o “joio do trigo”. O senador exagerou?

Não tenho como não dizer que o presidente do Senado foi infeliz nas suas declarações. Não houve exibicionismo algum. O Ministério Público Federal estava lá impessoal. Além disso, o presidente Renan foi rebatido, algumas horas depois, pelos fatos, quando a denúncia foi recebida, mostrando que o trabalho do MPF foi feito de maneira correta. É bom lembrar que, para denúncia, você tem de ter um grau de convicções e provas que é diferenciado em relação à condenação. Isso é outra história. No curso do processo, os acusados vão ter ampla defesa. Na Lava Jato não houve em momento algum exibicionismo. A ANPR acompanha todos os casos de representações feitos contra colegas. Até hoje, apenas a defesa de Lula representou contra os colegas da Lava Jato. E perdeu todas as vezes. Porque usam a tática agressiva de atacar os acusadores em vez de se defenderem dos fatos. Com todo respeito ao presidente Renan Calheiros, ele está profundamente equivocado.

O fato de a acusação do MPF não ter uma prova “cabal” e apenas “convicções” é suficiente para levar o ex-presidente Lula à condição de réu?

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A denúncia cita uma série de conjuntos de indícios. Por isso é que tinham aquelas famosas bolinhas do Powerpoint do meu colega Dallagnol. Cada bolinha daquela é um conjunto de indícios que são demonstrados na denúncia. No caso do mandante de uma organização criminosa, raramente você vai ter uma prova material contra ele. Você só vai ter isso dos escalões mais baixos da quadrilha. Estes, muitas vezes, só conhecem o intermediário. E, no máximo, só os intermediários têm contato com o chefe da quadrilha. Isso é o normal numa organização criminosa. Portanto, condenar a pessoa que está no mais alto escalão de uma organização criminosa, na enorme maioria das vezes, só se pode fazer com provas indiciárias. Ou seja, com testemunhas, circunstâncias que mostram que aquelas pessoas eram ligadas a ela, que aquelas pessoas, naquelas circunstâncias estavam obedecendo a ela.

“O presidente [do Senado] Renan Calheiros foi rebatido, algumas horas depois, pelos fatos, quando a denúncia foi recebida, mostrando que o trabalho do MPF foi feito de maneira correta”
“O presidente [do Senado] Renan Calheiros foi rebatido, algumas horas depois, pelos fatos, quando a denúncia foi recebida, mostrando que o trabalho do MPF foi feito de maneira correta” (Crédito:Foto: Joel Rodrigues/FRAME)

Lula pode ser condenado apenas por ser o verdadeiro dono do tríplex no Guarujá?

Uma das acusações feitas contra dona Marisa, contra o ex-presidente Lula e outros ali foi a de lavagem de dinheiro. A lavagem vem exatamente do fato de que o apartamento não está no nome dele. Se estivesse, permaneceria a acusação de vantagem indevida ou de corrupção. O imóvel não estava em nome dele para ocultar e garantir que o patrimônio não chamasse a atenção. Não vai ter um registro em nome do Lula. Esse é exatamente o crime. Isso é crime de lavagem.

A denúncia contra Lula foi baseada em uma informação que só aparece no esboço da delação premiada do empresário Léo Pinheiro, sócio da empreiteira OAS…

Isso já foi negado pelos colegas. Eu confio integralmente na declaração dos colegas. Todo processo passa pela avaliação do juiz. Se fosse medianamente verdade, anularia toda a acusação. E o juiz [Sérgio Moro] não permitiria recebimento da denúncia e, posteriormente, ainda que recebesse, seria questionada no Poder Judiciário. O fato é que a lei obriga que, uma vez que as tratativas não tenham funcionado, as provas faladas por ele não podem ser usadas. Mas essa central de propinas foi falada por vários réus.

Por que, então, o Ministério Público Federal ainda não fez qualquer pedido de prisão contra o ex-presidente Lula?

Não cabe a nós, que estamos sem acesso ao processo, fazer uma consideração tão problemática. A lei brasileira não permite prisão para cumprimento antecipado da pena. A prisão existe em casos muito determinados da lei. Entre os quais, interferir no processo, fugir, estar cometendo novos crimes. A possibilidade de o presidente Lula afetar a investigação, depois da troca de governo, diminuiu muito. Não é o fato de ele ser o chefe que o levaria à prisão.

Parece sistêmico o vazamento de informações importantes. Qual a sua opinião?

Sou absolutamente contra. Os principais prejudicados são os investigadores. Não há vazamento seletivo. É outro mito político. Eu já ouvi esse discurso no Partido dos Trabalhadores. No governo do PT, estava havendo vazamento e ninguém foi afastado? Vazamentos, de fato, ocorreram alguns. Todos estão sendo investigados. O número de vazamento na Lava Jato foi muito pequeno em relação às demais operações. Conclusões apressadas são sempre um erro.

A suposta citação ao ministro Dias Toffoli pelo presidente da OAS, Léo Pinheiro, levou o ministro Gilmar Mendes (STF) a defender uma investigação na Lava Jato

O ministro Gilmar Mendes foi rebatido pelo procurador-geral da República [Rodrigo Janot] que afirmou que a informação [sobre o ministro Toffoli] jamais chegou ao Ministério Público. Portanto, não poderia ser vazado do MPF.


“A denúncia [contra o ex-presidente Lula] cita uma série de conjuntos de indícios. Por isso é que tinham aquelas famosas bolinhas no powerpoint do meu colega Dallagnol”.
“A denúncia [contra o ex-presidente Lula] cita uma série de conjuntos de indícios. Por isso é que tinham aquelas famosas bolinhas no powerpoint do meu colega Dallagnol”. (Crédito:foto: PAULO LISBOA/BRAZIL PHOTO PRESS)
Na segunda-feira 19, foi levado ao plenário da Câmara um projeto que propunha anistiar políticos que receberam dinheiro via caixa dois durante as campanhas passadas. Foi uma tentativa de manobra?

Foi estranho. Encontrei com o deputado Miro Teixeira (Rede/RJ), um dos personagens que conseguiram segurar para que aquela votação não acontecesse. Ele afirmou que o texto não apareceu em hora nenhuma. Então, começa por aí a estranheza. Ninguém assume quem foi que pediu para votar e ninguém viu o texto. Fica muito difícil para nós avaliarmos. Em determinado momento, dizia-se que ia ser votada a proposta sobre as Dez Medidas, que não tem anistia para ninguém. O caixa dois é uma coisa séria. É crime. Então, qualquer anistia criminal voltada para a corrupção, no momento em que o Brasil está tentando se passar a limpo, é o absoluto retrocesso. Tem de ser combatido em todas as esferas.

Qual tem sido o papel da ANPR na tramitação das Dez Medidas no Congresso Nacional?

As medidas nasceram como uma proposta do Ministério Público Federal – de colegas da Lava Jato –, mas elas cresceram e hoje são da sociedade civil. Não foi por acaso que chegaram com 2,5 milhões de assinaturas coletadas em menos de seis meses. Fomos uma das primeiras entidades ouvidas no Congresso. Dissemos que somos a favor de todas, mas entendemos que o Congresso Nacional é o poder que tem a legitimidade constitucional para discutir as alterações nas Dez Medidas. Estamos acompanhando as alterações e confiamos no Congresso. Defendemos as medidas, mas é normal que haja aperfeiçoamento. Mesmo a ANPR tem uma proposta de alteração em uma das medidas, a que trata da questão do teste de integridade. Consideramos que, da forma como foi sugerido, há um erro, pois foi proposto como obrigatório apenas para policiais e não há um particular problema de corrupção na classe dos policiais. Não que não exista corrupção policial. Existe. Mas, basta acompanhar a própria Lava Jato, para saber que as graves corrupções no Brasil estão nas áreas de contrato, de serviços, de obras. Isso foi uma cópia de legislação do exterior trazida para cá.

Houve excesso nos pedidos de prisão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP) e o senador Romero Jucá (PMDB-RR), após as gravações do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado sobre tentativas de bloquear a Lava Jato?

É muito difícil fazer julgamento porque não temos acesso aos autos do processo. Nem as defesas dos acusados têm acesso aos autos como um todo. Noção como a investigação geral só têm o procurador-geral e o ministro Teori Zavascki. É absolutamente normal o ministro ter negado. É por isso que existem no Estado dois órgãos: um que faz a acusação e o outro, o Judiciário, que vai fazer a sua ponderação e seu julgamento final. O ministro Teori disse que não há elementos no momento para se decretar a prisão. O processo vai continuar. Isso foi uma mera medida preliminar.


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