A semana dedicada às comemorações pelo Dia Internacional da Mulher acabou marcada no Brasil pela triste constatação de que ainda há muito o que se avançar por aqui em direção ao respeito à mulher e à igualdade de gênero. Dois eventos foram emblemáticos nesse sentido. O primeiro, protagonizado pelo presidente Michel Temer, trouxe à luz o pensamento ainda muito prevalente no País segundo o qual a esfera principal de ação feminina é dentro de casa. O segundo teve como personagem principal a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e embutiu o preceito machista de que o valor da mulher está na qualidade do sexo que ela faz.

As demonstrações são os exemplos mais contundentes de que o preconceito contra a mulher independe do gênero ou da coloração partidária. Vindo de um presidente da República, no entanto, seu impacto é maior. Em seu discurso durante a cerimônia de comemoração pelo Dia Internacional da Mulher, na quarta-feira 8, Temer o demonstrou em pelo menos dois momentos. O primeiro: “Tenho absoluta convicção, até por formação familiar e por estar ao lado da Marcela, o quanto a mulher faz pela casa, o quanto faz pelo lar, o que faz pelos filhos. E, portanto, se a sociedade de alguma maneira vai bem, quando os filhos crescem, é porque tiveram uma adequada educação e formação em suas casas. E seguramente isso quem faz não é o homem, isso quem faz é a mulher.” O segundo: “E hoje, como as mulheres participam intensamente em todos os debates, eu vou até tomar a liberdade de dizer que na economia também a mulher tem uma grande participação. Ninguém mais é capaz de indicar os desajustes, por exemplo, de preços em supermercado do que a mulher. Ninguém é capaz de melhor detectar as eventuais flutuações econômicas do que a mulher, pelo orçamento doméstico maior ou menor.”

 OFENSA Gleisi sugeriu greve de sexo às mulheres. Poucas ideias são tão machistas quanto essa
OFENSA Gleisi sugeriu greve de sexo às mulheres. Poucas ideias são tão machistas quanto essa

Nas duas falas, estão implícitas as ideias retrógradas de que à mulher cabe o papel de “rainha do lar”, uma espécie de expert na organização do castelo para que o homem, ele sim, brilhe do lado de fora das muralhas. Ela cuida da casa e dos filhos. Muita gente chegou a considerar os trechos uma gafe. Não foi. O presidente de fato expressou sua concepção do que seria o papel primordial da mulher. A sua e a de outros milhares de homens Brasil afora. Trata-se, porém, de uma visão anacrônica e perigosa. Anacrônica porque a atuação da mulher brasileira hoje vai muito além da própria casa. Tanto é que atualmente elas são as provedoras na maior parte dos lares nacionais. E perigosa porque circunscrever a mulher ao ambiente doméstico reduz seu tamanho e fortalece a relação de poder do homem sobre ela. O resultado é que essa mulher, assim diminuída, torna-se mais vulnerável à agressões físicas e morais.

Na quinta-feira, Temer recorreu ao twitter para apagar a má impressão que ficou após o discurso. “Estamos na Semana da Mulher. Meu governo fará de tudo para que mulheres ocupem cada vez mais espaço na sociedade”, publicou. Em outro post, disse: “Que as mulheres tenham direitos iguais em casa e no trabalho. Não vamos tolerar preconceito e violência contra a mulher”. Auxiliares do presidente também saíram em sua defesa argumentando que os trechos foram destacados fora do contexto. Também disseram que, na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, os documentos das casas do Programa Minha Casa, Minha Vida foram emitidos nos nomes das mulheres e o dinheiro do Bolsa Família era entregue a elas, e ninguém reclamou das medidas.

O outro golpe nas lutas femininas foi disparado da tribuna do Senado pela senadora Gleisi. Na segunda-feira 6, ela fazia um discurso sobre o Dia da Mulher quando propôs que as mulheres fizessem greve de sexo para que os homens sentissem a falta que elas fazem. “Neste ano, o dia 8 de março será um dia de greves. Vamos fazer greves. Vamos fazer greves nas escolas, nas nossas casas. Estamos chamando para fazer greves nas atividades domésticas, fazer greves na área de trabalho, fazer bloqueio de estradas, fazer marchas, fazer abstenção de todo trabalho doméstico, inclusive abstenção sexual.”

Difícil pensar em proposição mais infeliz. Gleisi deu a sugestão quando discorria sobre a greve das mulheres convocada pelos movimentos feministas de todo o mundo para acontecer no dia da mulher desse ano. A ação foi inspirada na histórica paralisação das islandesas em 24 de outubro de 1975. Naquele dia, a maior parte da população feminina da Islândia cruzou os braços, deixou de fazer o trabalho dentro e fora de casa e tomou as ruas para dizer que exigia equiparação de tratamento com os homens. Hoje, o país é o primeiro colocado na lista de nações com maior igualdade de gênero.

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Como o protesto islandês, as manifestações chamadas para a última quarta-feira também convocaram as mulheres a deixarem por pelo menos um momento seus trabalhos domésticos e profissionais. Muitas responderam, como grande parte das professoras da cidade de Alexandria, em Virginia, nos Estados Unidos. Lá, as escolas tiveram que fechar por que não havia quem desse aula.

Em nenhum discurso, em nenhuma linha escrita nas milhares de convocações para o movimento estava a proposta de fazer greve de sexo como propôs Gleisi. Sugerir isso a qualquer mulher é tão ofensivo quanto insinuar que ela teve uma promoção na carreira porque dormiu com o chefe ou defender que elas ganhem menos porque engravidam. É reduzir a mulher a um estado no qual ela foi aprisionada ao longo de séculos marcado pela premissa de que ela vale pelo sexo que faz. Por nada mais. E o sexo é a sua moeda de troca. Além disso, remete à ideia, igualmente ultrapassada e machista, de que a mulher faz sexo para dar prazer ao homem. Devemos fazer sexo, em primeiro lugar, por nosso próprio prazer. É exatamente contra pensamentos como esses que nós, mulheres, lutamos e continuaremos lutando.


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