No horário previamente combinado para esta entrevista, a reportagem de ISTOÉ ligou para Tatá Werneck duas vezes e não obteve resposta. Mais uma tentativa e nada. Na quarta, minutos depois, ela atendeu. “Querida, me desculpe, eu achei que estavam me ligando do banco Santander para falar do meu cartão de crédito.” Risadas na linha, mas só do lado de quem ouvia a justificativa. A mistura de tom sério e jocoso é uma das características que fazem da atriz, humorista e apresentadora de 33 anos uma artista peculiar entre os expoentes do humor no Brasil. Tatá tem um jeito genuíno de fazer os outros rirem. Esse é o tom do seu novo projeto, “Lady Night”, programa de entrevistas que estreou na semana passada no canal pago Multishow. Nas próximas páginas, a humorista fala sobre carreira, machismo, piadas que não têm graça e sobre como usa o humor para sobreviver.  “Mesmo nos momentos em que mais sofri, eu brinquei.”

Você estreou um novo programa, o “Lady Night”, de entrevistas, nos moldes das atrações de outros comediantes como Fábio Porchat e Danilo Gentili. Por que esse formato é tão buscado por humoristas?

Os ‘talk shows’ que mais duraram na televisão foram os feitos por comediantes. Essa foi uma conversa que já tive com o Jô Soares. Ele mesmo é uma grande influência para toda uma geração, pois era comediante. A entrevista é uma plataforma em que conseguimos explorar outras ferramentas que, no meu caso, não consigo na novela, como o improviso. Não uso a entrevista como escada para fazer piada, mas, como em uma conversa, é um espaço para poder fazer humor de uma maneira muito ampla.

Você tem uma característica de fazer perguntas sem noção de um jeito sério. Diria que esse é o seu jeito peculiar de fazer humor?

A frase que mais ouço na vida, depois de ‘você é mais baixinha pessoalmente’, é ‘nunca sei quando você está falando sério ou brincando’. Eu sou assim, falo coisas absurdas, mas procuro falar de um jeito sério mesmo. E no ‘Lady Night’ não tem esforço, é o programa mais orgânico para mim. Tento não parar a gravação, como se fosse gravado ao vivo. Eu sei que no começo estabeleço um ritmo acelerado que é difícil manter. Ao mesmo tempo quero que seja a sala da minha casa e que meus entrevistados fiquem à vontade. Minha intenção não é deixar ninguém constrangido.
Você já sentiu constrangida em entrevistas?
O que mais escuto são perguntas constrangedoras. Entrando em festas, já me disseram cada coisa. Ou vivo situações. Fui uma vez atacada por uma menina de um canal que não direi qual é, totalmente inconveniente. Eu saindo do último dia de novela, indo visitar minha mãe no hospital, e a repórter tentou invadir meu carro. As pessoas são muito agressivas.

Tem lado ruim em ser reconhecida como uma artista que faz o público rir?

Só vejo coisas boas. Essa preocupação do tipo: ‘Você não tem medo de ficar estigmatizada?’. Pô, quer estigma mais maneiro do que levar alegria e fazer as pessoas rirem? Trabalho com o que amo. Sempre gostei de comédia, já fiz muito teatro cabeça, voltaria a fazer, mas amo trabalhar com comédia. Esse preconceito, como se fosse um primo pobre, vem dos outros, não de mim. Essa cobrança só existe para comediante. Ninguém chega para a Cássia Kiss, um fenômeno, e a questiona.

No campo pessoal, tem dias que você está de mau humor e é difícil ser engraçada?

Sou uma pessoa que já acorda bem-humorada, feliz, animada. Dando bom dia. Acho que isso pode gerar mau humor [risos]. E adoro esse contato com as pessoas. Gosto de me comunicar, sempre fui assim. Entendo o ônus da profissão e sei que o bônus é muito maior. Agora, já passei por situações no hospital, com crise renal, a pessoa colocando a agulha para eu tomar soro e de repente tira uma foto minha. E eu questionei: ‘Você está tirando foto minha? Eu tomando soro?’ E ouço a resposta que sou da televisão, a mais bem-humorada. Normalmente, no aeroporto estou mais séria porque tenho muito medo de avião.

Você tem medo de avião?

Agora não deixo de pegar avião porque honro meus compromissos, mas é sempre uma questão. Já aconteceu de eu sair de voos por medo. Uma vez, estava gravando em São Paulo e precisava voltar para o Rio, visitar minha mãe. Estava no aeroporto e perdi um voo, depois outro. Aí pensei: ‘Agora vou’. Encontrei [o humorista] Paulinho Serra, estávamos sentados um do lado do outro, achei muita coincidência, fiquei com medo e saí. No ultimo voo entrei, fecharam a porta e uma grávida levantou e disse que não ia ficar naquele avião. Eu disse que também estava grávida e que não ia ficar. A mulher do meu lado disse que estava todo mundo me olhando, que não ia acontecer nada, e fiquei. Quando somos mais novos, temos a sensação de que nada vai acontecer, aí vamos ficando mais velhos e vemos que acontece. Acho que temos a sensação de estar sempre no controle, e no avião vemos que não é bem assim.
Há momentos que você usa o humor para esconder algum sentimento?
Fazer piada é a minha maneira de enxergar a vida. Coloquei uma lente de humor sobre todas as coisas, mesmo sobre a dor. Mesmo nos momentos em que mais sofri. Quando meu avô morreu eu estava destruída, um caco, e fui gravar ‘Tudo Pela Audiência’ [programa do Multishow exibido desde 2014]. Fiz piada, brinquei, fingi que chorei. O humor também é uma defesa, claro. É minha forma de sobreviver. É também uma ferramenta política, levanta questões, abre uma porta de comunicação muito clara e direta para as outras pessoas.

Sobre o episódio do assédio envolvendo o José Mayer, que fez muitas atrizes se mobilizarem. Foi algo que te incomodou também, como mulher e artista?

Não conheço José Mayer como pessoa, conheço o trabalho como ator e admiro bastante. Mas essa é uma dor profunda que as mulheres vivem há muito tempo. Por medo, por vergonha, por se sentirem coagidas e pressionadas, guardam caladas. É difícil ter uma mulher que não viveu uma situação de assédio, moral ou sexual, ou algum tipo de abuso, é muito comum ver que muitas passaram por isso. Tenho amigas que passaram por isso, eu também já passei.

O que achou da mobilização?

O movimento de mulheres é transformador, é um marco. É importante que tenhamos segurança na força da mulher, de ver que não precisamos mais ter medo de falar. Muitas mulheres não falam por medo de perderem emprego, de serem assediadas novamente, de não acreditarem nelas. Agora temos essa força conjunta do feminino sobre essa dor que é sofrer calada. Falo sobre o movimento, não conheço José Mayer, mas conheço essa dor, de ser obrigada a engolir coisas para não perder o emprego.

Você já sofreu algum assédio machista no trabalho?

Já passei por várias situações de constrangimento. Mas prefiro não dar nenhum exemplo.

Há situações em que pessoas justificam comentários ofensivos, inferiorizando a mulher, dizendo que é apenas brincadeira. Como uma pessoa que entende de piada como você classifica esse argumento?

Não posso estabelecer limites, sei qual é o meu e cada mulher sabe qual é o dela. O limite é de cada um. Se me sinto incomodada, coagida, então meu limite é até aí. Mas não dá para usar o argumento da piada para ofender, para agredir, para ser invasivo. A piada tem uma premissa muito simples, também é transformadora, é ferramenta para fazer pensar, mas ela tem que ser engraçada. Esse caso não pode ser levado como brincadeira.

Já aconteceu de você fazer alguma brincadeira e alguém te pedir para pegar mais leve?

Comecei a tomar muito mais cuidado com minhas brincadeiras depois disso tudo. Presto atenção. Estamos em um momento mais delicado e acho que ele tem que ser vivido com toda a força para depois entender qual o é o meio termo. Claro que para abuso, assédio, não tem meio termo.

Sua rotina parece ser intensa. Dá tempo de fazer outras coisas fora do trabalho?

O limite entre trabalho e prazer é muito tênue para mim. Meu trabalho é o que mais diverte. Tenho essa coisa que acho que muitas mulheres têm, pensar em construir uma família. Já procuro deixar um tempo para minha vida pessoal, mas sou muito viciada em trabalho. Tenho que aprender a curtir férias, fico na ânsia de produzir, me aprimorar. Estou aprendendo como conciliar as coisas. Às vezes quero tirar férias para descansar e estar bem para o próximo trabalho. E quando viajo sempre volto antes. Sou muito feliz fazendo o que faço.

Não estar dentro de um padrão de beleza é uma questão para você?


Não. Existe um padrão que a mídia estabeleceu de beleza, como no passado nas esculturas se viam mulheres com curvas e formas. Então esse padrão é totalmente midiático, o que é bonito hoje, amanhã não vai ser. Nunca quis ser de padrão nenhum. Não tenho problema de autoestima, fui criada com muito amor, sei do meu valor. Nunca precisei ter um padrão de beleza diferente para conquistar nada. É muito mais uma coisa dos outros, de colocarem um padrão que só causa sofrimento.

 


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