11/04/2017 - 14:53
Em algumas aldeias do sudeste de Portugal, a falta de padres católicos levou mulheres locais, simples fiéis, a celebrar elas próprias cerimônias para animar a vida religiosa destas comunidades, antigas, mas abertas à mudança.
Na minúscula igreja de Carrapatelo, aldeia de meia centena de casas construídas sobre uma colina com vista para os vinhedos da região de Reguengos de Monsaraz, Claudia Rocha, vestida de preto, se dirige a uma dezena de fiéis, mulheres idosas em sua maioria.
Enquanto sua bolsa de couro e seu smartphone a esperam apoiados no primeiro banco, a jovem de 31 anos conduz com facilidade esta “assembleia dominical na ausência de padre”.
Após as orações e os cantos litúrgicos, ela mesma comenta as leituras bíblicas do dia, como faria qualquer outro prelado.
Ao fim da cerimônia, distribui a comunhão como ocorre na missa, com a única diferença de que as hóstias que reparte foram benzidas por um padre e que ela não bebe o vinho que representa o sangue de Cristo.
“Se eu não estivesse aqui hoje, esta igreja estaria fechada. Pouco importa que seja mulher, diácono ou padre: o que conta é ter alguém que pertença à comunidade e mantenha o vínculo com o padre, inclusive quando ele não está”, explica à AFP.
– ‘Nada novo’ –
Esta assistente social, divorciada e sem filhos, faz parte do grupo de 16 laicos, oito mulheres e oito homens, escolhidos pelo padre Manuel José Marques para ajudá-lo a conservar uma presença regular da igreja nas sete paróquias sob sua responsabilidade.
“Pode parecer raro e novo, mas não inventamos nada. Trata-se de uma ferramenta prevista pela Igreja há muito tempo, para os casos em que seja absolutamente necessário”, destaca este padre de 57 anos.
Efetivamente, outros países têm este tipo de celebrações sem ministro ordenado, como Alemanha, França, Suíça ou Estados Unidos, devido à falta de padres católicos.
Sua aparição remonta aos anos 80, mas o Vaticano e muitos eclesiásticos se negam a encorajá-la por medo de uma banalização da missa.
O padre Manuel José, por sua vez, não encara isso com maus olhos. Em Reguengos de Monsaraz, localidade da região do Alentejo, perto da fronteira com a Espanha, assembleias dominicais como essas, realizadas há mais de uma década, são necessárias.
Os fiéis que o ajudam de forma voluntária, de 24 a 65 anos, “são pessoas que têm a experiência da fé e do encontro com Jesus Cristo, e que sabem falar disso”, resume, ressaltando que não faz nenhuma distinção entre homens e mulheres.
O recurso às mulheres laicas existe em outras regiões rurais de Portugal, país de dez milhões de habitantes, dos quais 88% são católicos, segundo estimativas da Igreja, e que tem apenas 3.500 padres para 4.400 paróquias.
– ‘Assunto delicado’ –
Em agosto passado, o papa Francisco criou uma comissão de estudo sobre o papel das mulheres diaconisas nos trabalhos do cristianismo. E embora tenha desmentido ter “aberto o caminho para as diaconisas”, sua iniciativa é encarada como um gesto de abertura potencialmente histórico sobre o papel das mulheres no seio da Igreja.
“É um assunto muito delicado, mas nós o simplificamos. Nesta pequena aldeia, tomamos a dianteira do Vaticano”, considera Claudia Rocha ao sair da igreja.
Exibindo um espírito progressista, o padre Manuel José considera que “as mulheres seriam padres e diaconistas muito boas”. No entanto, adverte, “não é a opinião de um padre nem de dez que fazem a teologia”.
Os paroquianos, por sua vez, aprovam a presença de uma mulher no púlpito. “No início achávamos estranho: ‘Uma mulher ministrando a missa?’ Mas depois nos acostumamos”, explica Angélica Vital, aposentada de 78 anos.
“E, se faltam padres, acredito que deveriam poder se casar… são homens, assim como o resto”, afirma com um sorriso.