João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém.
João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.” (Carlos Drummond de Andrade).
Lembrei do Drummond essa semana ao ver as fotos do casal Jade Duarte e Usain Bolt.
Eu sei.
Precisa ser muito romântico para lembrar de Drummond.
Sou um romântico incurável.
Mas estou me referindo à fofocaiada que virou a noite
de prazeres dos dois.
Não às fotos, nem ao ato em si, que isso não é do meu pecúlio.
Como somos provincianos ao imaginar que temos direito de nos meter no sexo dos outros (trocadilho não intencional).
Que o brasileiro é fofoqueiro todo mundo já sabe.
Eu mesmo adoro um fuxico.
Até o poeta provou que não é de hoje que a gente se mete nos amores alheios.
Em “Quadrilha”, Drummond dá conta de quem amava quem e o destino de cada amor, mesmo não sendo da sua conta.
Comparado com o mundo atual, soa ingênuo esse interesse pelos afetos alheios.
Quem dera ainda fosse assim.
Fico imaginando como seria o poema de Drummond, hoje.
“João amava Pedro que amava Claudia que era feinha, que amava Liza, que amava Estela que usava lente colorida que amava Flávio que é um puta mulherengo mas que amava Julia que amava Lúcia que a amava de volta, mas a família não sabe que é gay então casou com Antonio que foi violentado por um padre e acabou que agora não ama ninguém.”
É, meu amigo, o mundo perdeu a ingenuidade.
Os amores mudaram.
São outros, diversos.
Os sexos, atos e promiscuidades são outras.
Só o que não mudou foram os tabus.
E nossa capacidade de fiscalizar a vida do outro.
Se fulano decide transar com beltrano, é nóis.
Vamos discutir, vamos palpitar, vamos meter o bedelho.
Como celibatos, o tribunal da internet julga baseado no gênero dos envolvidos, na condição social, no número
de parceiros, na idade de um ou dos dois.
Nada passa pelo crivo moral das redes sociais.
O que importa é encontrar um motivo para desqualificar, criticar e/ou polemizar.
O caso de Usain Bolt chama atenção.
Porque nada é polêmico.
Não tem violência, nem escândalo, nem homofobia, nada.
Apenas duas pessoas que se conheceram e transaram.
E toca fotinho íntima deles.
E toca comentário de como a moça é isso ou aquilo.
E toca critica ao Bolt por sua atitude.
Apenas dois heteros numa relação consensual.
Lembro de um caso que passou pela mídia uns anos atrás.
Umas fotos vazaram de uma moça, na cama, cercada por cinco sujeitos.
Uma mulher violentada por cinco amigos, condenou
a internet.
Escândalo.
Abaixo a cultura do estupro.
Descobriram que um deles era namorado dela, veja você.
Piorou!
O desgraçado tem que morrer.
Até que a menina vai à delegacia e explica que não foi nada disso.
Que foi ela quem pediu para o namorado realizar sua fantasia.
Pausa para a internet rever o julgamento.
Piorou.
Vadia!
Debaixo de um lençol de modernidade e liberdade,
se escondem todos os nossos preconceitos.
Passa o tempo e continuamos ali, com o olho grudado
no buraco da fechadura.
Não há Parada Gay que resolva nosso moralismo de fachada

Sob um lençol de modernidade e liberdade, se
escondem todos os nossos preconceitos