Há 2 mil anos, uma egípcia de meia-idade, cabelos crespos e olhos amendoados morreu de tuberculose. Se seguida a cartilha da época, fígado, pulmões, intestino e estômago foram extraídos do seu corpo e colocados em recipientes. O coração, mantido no lugar, o cérebro, retirado pelo nariz. Depois de 40 dias no sol, o cadáver recebeu resinas e óleos e foi estofado com tecidos. Embalsamado, foi envolto em panos, colocado em um caixão decorado com linho e, na parte do rosto, ganhou uma máscara funerária com desenhos faciais, toda coberta em dourado. Por causa do tom usado no acabamento, a múmia número 30007 ficou conhecida como “dama dourada” (“gilded lady” em inglês). Exibida para o público pela última vez em 1893, nunca tinha sido aberta e quase nada se sabia sobre sua vida. Até que cientistas americanos usaram a tecnologia em favor da história. Com um aparelho de tomografia computadorizada, desvendaram o que havia dentro deste e de outros sarcófagos. O resultado desse trabalho é a exposição “Mummies”, em cartaz no Museu Americano de História Natural, em Nova York.

AVANÇO Acima à esq., esqueleto de uma múmia que passou por tomografia computadorizada.
AVANÇO Esqueleto de uma múmia que passou por tomografia computadorizada.

“Uma função importante da exposição é esclarecer desinformações históricas”, afirma John Flynn, co-curador da mostra. “Há muitos filmes ruins que mostram múmias correndo atrás de pessoas. Mas a verdade é que os povos acreditavam na vida após a morte, por isso embalsamavam cadáveres.” Além das 18 múmias expostas, há vários pontos de interação com o público. Telas mostrando as imagens escaneadas por aparelhos de exames de imagem possibilitam que os visitantes movam as múmias, tirem os panos que as cobrem e leiam informações sobre particularidades descobertas. As tomografias possibilitaram também a criação de bustos impressos em 3D, que replicam músculos faciais e camadas de pele. São esculturas hiper-realistas, que dão rosto e expressão às pessoas mumificadas.

PERU COM EGITO

Falar em múmias é automaticamente pensar no Egito Antigo. Outros povos, porém, lançavam mão do mesmo processo para conservar corpos de pessoas mortas. Em “Mummies”, fica evidente a interessante coincidência que liga a cultura egípcia à peruana. “São linhagens completamente diferentes, a milhas de distância uma da outra, que utilizavam uma técnica parecida. No Peru, porém, começou até antes”, afirma Flynn. A diferença é que no país sul-americano a intenção não era manter o corpo para uma outra vida, mas conservá-lo para que parentes pudessem levá-lo a eventos e celebrações familiares. Os peruanos começaram a mumificar mortos há mais de 7 mil anos. Pesquisadores, inclusive, encontraram na cultura Chinchorro os primeiros sinais da técnica no mundo. Eles preparavam os corpos, removiam a pele, separavam os músculos dos ossos e tiravam os órgãos. O esqueleto era preenchido com argila. O morto, então, era pintado em preto ou vermelho, ganhava peruca e, no rosto, a argila era manuseada para recriar suas feições.

A reconstrução da “dama dourada”, 2 mil anos depois
AVANÇO A reconstrução da “dama dourada”, 2 mil anos depois

“As múmias têm sido fascinantes, e agora a interseção dessas antigas relíquias com a tecnologia de ponta está revelando novos e intrigantes segredos”, afirma Ellen V. Futter, presidente do Museu Americano de História Natural. Diferentemente da ideia de múmias passadas em alguns filmes e livros, sempre aterrorizantes, na exposição “Mummies” o visitante poderá ver cada indivíduo de maneira única, com sua história contada através das imagens possibilitadas pela tecnologia e outras peças encontradas com os mortos, como instrumentos musicais e ferramentas de trabalho. Jarras com desenhos de deuses egípcios, nos quais eram armazenados os órgãos retirados dos corpos, fragmentos de sarcófagos e animais mumificados também ajudam a compor a exposição e criar uma narrativa sobre como povos do passado lidavam não só com a morte, mas também com a vida. No que acreditavam, como interagiam, quais crenças tinham sobre o universo e sobre o futuro. Se a intenção era manter esses corpos vivos para uma vida após a morte, esses povos conseguiram, pelo menos no espaço dedicado à exposição. Ali, até janeiro de 2018, esses egípcios e peruanos estarão vivos entre o público que buscará descobrir mistérios escondidos de outras eras.

Tecnologia a favor da história
Como cientistas usaram um método de exame clínico para recriar os corpos por dentro das múmias

16

As múmias foram colocadas em um aparelho de exame de imagem, tradicionalmente usado por médicos. Dessa maneira, foi possível ver o que está dentro das estruturas, incluindo algumas nunca abertas, sem danificá-las ou desembrulhá-las. As imagens captaram esqueleto e arcada dentária, além de identificar a idade da múmia, sexo e doenças contraídas. A partir dessas informações, foram criados bustos para reproduzir a pessoa antes de ser mumificada