“Venezuela, resteada’ (corajosa), será libertada!”, gritavam milhares de mulheres que marcharam neste sábado (22), em Caracas, em protesto pela suspensão do processo de referendo revogatório contra o presidente Nicolás Maduro.

“Ninguém para a mulher venezuelana! Vamos dar a cara nas ruas e vamos lutar pelo revogatório”, disse à imprensa Lilian Tintori, mulher do opositor preso Leopoldo López, uma das principais promotoras da mobilização.

“Faremos a grande tomada da Venezuela, com determinação, coragem e em paz”, acrescentou Lilian, referindo-se à convocação da coalizão, cercada de correligionárias vestidas de branco levando bandeiras venezuelanas e cartazes.

“Você pode ficar todo dia na fila para comprar comida e, ainda assim, não conseguir o que precisa (…), e o governo bloqueia as soluções para a crise”, reclamou Nayiber Bracho, de 30, uma das manifestantes, em entrevista à AFP.

Convocada por Tintori e por outras lideranças da oposição, como a ex-deputada María Corina Machado, a marcha das “resteadas” (corajosas) saiu de quatro pontos diferentes de Caracas para chegar à autoestrada Francisco Fajardo, principal artéria da cidade.

“Hoje começa uma nova etapa de luta contra a ditadura, a etapa definitiva”, tuitou María Corina, que pediu ao Parlamento para “decretar que existe uma ditadura na Venezuela e iniciar o processo de destituição de Nicolás Maduro”.

“Vamos fazer valer a maioria que o povo que nos elegeu nos deu”, afirmou a deputada Gabriela Arellano, em discurso em um dos pontos de concentração para a manifestação deste sábado.

Na sexta-feira (22), a coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) advertiu que “chegou a hora” de definições no país, depois que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) voltou a adiar a coleta de quatro milhões de assinaturas necessárias para convocar a consulta contra Maduro.

Em nome da MUD, o ex-candidato presidencial Henrique Capriles anunciou ontem uma grande mobilização nacional para a próxima quarta-feira (26): “vamos tomar Venezuela de ponta a ponta”.

‘Não vamos nos deixar derrubar’

O número dois do chavismo, Diosdado Cabello, denunciou hoje que os protestos convocados após a paralisação do processo de referendo e a sessão de domingo do Parlamento estão ligados a planos para “um golpe de Estado”, mas, ao mesmo tempo, convocou o diálogo para superar a crise nacional.

“Foi encontrada informação de um plano que não tem nada além de um caráter subversivo”, declarou Cabello em entrevista coletiva do partido da situação, o PSUV, advertindo que “sob qualquer circunstância vamos nos deixar derrubar”.

“Vão-nos dar instrumentos para atuar juridicamente”, acrescentou.

Cabello garantiu que os detalhes do tal plano estão na memória do celular de um vereador da oposição, José Vicente García, detido pelas autoridades – segundo ele – por estar em posse de duas granadas e duas bombas de gás lacrimogêneo.

O tom duro não impediu que Cabello fizesse um apelo pelo diálogo na nova visita à Venezuela do ex-chefe de Governo espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, que lidera uma missão internacional patrocinada pela União de Nações Sul-Americanas (Unasul) para buscar contatos entre governo e oposição.

“Estamos dispostos a falar”, frisou o também deputado, esclarecendo que o referendo contra Maduro “não está e, negociação”.

Em breve, um enviado do Vaticano chegará à Venezuela para se somar à mediação internacional, revelou Diosdado Cabello.

“Estamos esperando que chegue um representante do papa. É um representante diretamente do papa, e não da Conferência Episcopal Venezuelana (CEV)”, disse ele aos jornalistas.

Consultado pela AFP, o arcebispo venezuelano Baltazar Porras – nomeado cardeal recentemente pelo papa Francisco – negou ter conhecimento dessa visita.

“Não sei se estão dadas as condições neste momento”, desconversou Porras, em curto telefonema.

Diálogo?

Ao suspender o processo para a realização do referendo, o CNE disse “acatar” sentenças judiciais de tribunais regionais que anularam a coleta anterior de assinaturas sob alegação de fraude, após milhares de recursos legais apresentados por dirigentes do chavismo.

Nesse clima, o Parlamento, de maioria opositora, prepara uma sessão especial para este domingo (23), durante a qual prometem anunciar medidas concretas contra a paralisação do processo.

Em meio a essa nova escalada, o vice-presidente Aristóbulo Istúriz informou que delegados do oficialismo e da oposição vão-se reunir em separado, neste fim de semana, com uma missão internacional liderada pelo ex-chefe de Governo espanhol José Luis Rodríguez Zapatero. O objetivo é conseguir estabelecer um diálogo.

Em nota divulgada neste sábado pelo Ministério argentino das Relações Exteriores, 12 países da Organização dos Estados Americanos (OEA) mostraram sua preocupação com a suspensão do referendo na Venezuela e pediram ao governo Maduro que encontre caminhos para dialogar.

“Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Estados Unidos de América, Honduras, Guatemala, México, Peru e Uruguai (…) expressam sua profunda preocupação com a decisão adotada pelo Conselho Nacional Eleitoral da República Bolivariana da Venezuela de adiar o processo de coleta de 20% do padrão eleitoral”, denunciou o texto.

Na sexta (21), o presidente do Parlamento de maioria opositora, Henry Ramos Allup, anunciou que dirigentes da MUD viajarão para Washington “nos próximos dias” para pedir ao secretário-geral da OEA, Luis Almagro, que aplique a Carta Democrática Interamericana à Venezuela. O instrumento prevê sanções internacionais no caso de ruptura da ordem democrática.

Em nota divulgada hoje, Almagro voltou a pedir uma nova mediação internacional na Venezuela, pedindo “resultados concretos” aos países da região.

O secretário-geral criticou os esforços frustrados de Zapatero e dos ex-presidentes Martín Torrijos (Panamá) e Leonel Fernández (República Dominicana) para impulsionar um diálogo entre governo e oposição.

Segundo ele, a iniciativa “não conseguiu impedir a ruptura institucional” na Venezuela.

“Pelo contrário, muito além de sua vontade, foi funcional para a sucessão de obstáculos interpostos para a realização do referendo revogatório”, completou o comunicado.

É necessária – insistiu – “uma nova mediação (que) permita dar força moral às soluções de que o povo venezuelano precisa”.

“Negar o referendo revogatório na Venezuela em 2016 é um ponto de inflexão”, criticou Almagro.