Faz 17 anos, mas me recordo como se hoje fosse. O ano era o de 2000. Ainda engatinhava no jornalismo político – trabalhava no semanário mais charmoso de Brasília, o JC –, quando me deparei com uma história de abalar as estruturas: um processo de separação em tramitação na 3ª Vara de Família. Divididos em dois, os calhamaços mais pareciam as torres gêmeas de tão longilíneos, mas chamavam a atenção mesmo pelos superlativos neles contidos. “Carrões, mansões, milhões…” Tremia como vara verde, mas a situação exigia concentração para dissecar o material que, por uma lufada de sorte de principiante, havia parado em minhas mãos. Num átimo de tempo, o coração foi a mil, como se ainda fosse possível acelerar mais. Numa leitura diagonal, a retina foi capaz de registrar, no meio daquela papelada, as iniciais “MT”, como se piscassem em neon diante dos meus olhos. As duas letrinhas sugestivas apareciam associadas a um político do PMDB, beneficiário de um propinoduto no Porto de Santos. Não acreditei quando li, mas hoje é fácil imaginar quem seja. Esse mesmo que você pensou.

Em suma, a papelada tratava de uma separação litigiosa entre Marcelo Azeredo e Erika Santos, uma estudante de psicologia que tentava obter, na Justiça, uma pensão de R$ 10 mil do ex-companheiro com quem viveu por três anos. Funcionário das Docas de SP, Azeredo recebia vencimentos de R$ 5,8 mil. “Por dentro”. Para provar o que dizia, Érika listou a relação de bens do ex-marido: um Porsche Carrera, um Mercedes e um amplo apartamento situado num bairro nobre de SP. O patrimônio era claramente incompatível com o holerite. Na planilha anexada ao processo, a explicação: os negócios no terminal rendiam 25% em propinas para Azeredo, Temer (o “MT”) e um servidor de sobrenome Lima. As empresas Rodrimar e Libra, por exemplo, vencedoras de concessões no porto, contemplaram o trio com R$ 1,8 milhão. Do butim, teria cabido a Temer quase R$ 1 milhão. Como esperávamos ouvir Erika, resolvemos publicar a matéria em duas etapas. A segunda jamais foi para a gráfica porque, misteriosamente, ela recuou do processo. Lembro que o então assessor de Temer, Ronaldo Paixão, me ligou apavorado. “Se nem a Veja se interessou pela história, por que será você quem vai denunciar?”, questionou com aquela voz grave de Tim Maia. A revista publicou a reportagem quatro meses depois.

Montaigne dizia que a natureza criou um só meio de entrar na vida, mas cem de sair dela. Certamente, Temer teve mais de cem oportunidades para se livrar da encrenca. Ou para esclarecê-la. Os últimos 17 anos foram pródigos em mostrar, no entanto, que ele sempre preferiu atalhos controversos. Na semana passada, em meio à denúncia da PGR contra ele por corrupção, havia um novo pedido de inquérito. E lá estava, teimosa como os fatos, a história do Porto de Santos.


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