No fim da década de 1970 e começo dos anos 1980, o Brasil ainda vivia sob o regime ditatorial. Se o mundo observava atento o aparecimento de bandas como Ramones, Sex Pistols, MC5, Stooges, New York Dolls e The Clash, a produção nacional, principalmente o rock, ficava cada vez mais nebulosa e sem graça. O que se via e ouvia era conflitante com a situação política do País, que enfrentava censura, violência e repressão policial.

Somado a isso, as periferias, principalmente as de grandes cidades como São Paulo, nos extremos, não eram ouvidas. Os jovens pobres ficavam cada vez mais à margem da sociedade e do pensamento cultural. Faltava sangue. O Brasil estava carente de um pulso musical vibrante, que pudesse dar voz aos excluídos. “Quando o movimento punk surgiu no País, no início da década de 1980, as bandas passaram a fazer um som mais pesado. Isso foi reflexo do momento político que vivíamos. Até então, a grande influência do rock era a Blitz, de Evandro Mesquita. Eles transformavam crônicas cariocas em grandes hits. No entanto, muita coisa acontecia naquela época: greve no ABC e a luta contra a ditadura militar, por exemplo. O Clemente e Os Inocentes são símbolos disso. Eles deram a largada para a mudança”, afirma Marcelo Rubens Paiva.

Pobre e negro, Clemente Tadeu Nascimento, morador do bairro do Limão, na zona norte de São Paulo, filho do vendedor Clementino Lopes Nascimento e xodó de dona Alice, trabalhava como office-boy. Comprou seu primeiro baixo aos 16 anos, ainda com a ajuda da mãe. Ao lado das irmãs, abriu um crediário e adquiriu um amplificador. Foi um grande evento para toda a família, quando a sua banda, o Restos de Nada, foi se apresentar em um lugar bem afastado. Pouco tempo depois, ele deixou o grupo e passou a integrar os Condutores de Cadáver, que se tornaria, enfim, a espinha dorsal dos Inocentes. “Eram muitas bandas. Restos de Nada, AI-5, Condutores de Cadáver, Cólera. A gente não tinha ideia do que estava sendo formado ali. Demorou um tempo para termos essa percepção”, afirma ainda Clemente.

Em 1981, os punks já lotavam shows nos subúrbios da capital paulista. Muitos festivais eram realizados por lá. Além das bandas já citadas, grupos como Ratos de Porão e Lixomania também se apresentavam nas zonas norte, leste e sul de São Paulo. No ABC, crescia o movimento operário. O punk-rock se fortalecia e, finalmente, chegava à grande metrópole.

As gangues punks eram heterogêneas e de várias regiões da cidade. Embora tivessem o mesmo propósito, elas se enfrentavam duramente. O filme Warriors (1979), que fala sobre a briga entre as gangues de Nova York Gramercy, Rogues e Warriors, era uma forte inspiração para os jovens. Os punks do ABC, por exemplo, rivalizavam com os grupos da zona norte e da zona leste. “Até o estereótipo era diferente. A gente conseguia identificar se o cara era do ABC ou da capital paulista”, lembra também Clemente.

Não existia paz entre as gangues. Pisar no território inimigo podia significar a morte. Aos 17 anos, Clemente se apaixonou por Elenice, uma garota mais velha. Ele fazia parte da gangue da Carolina. Mas ela, entretanto, moradora da Vila dos Remédios, era da gangue Punk do Terror. Obviamente, não deu certo.

Passar a noite na cadeia era algo normal para aqueles jovens. Clemente, por sinal, ficou várias noites na prisão. “A gente brigava muito. Quase toda noite. O livro traz inúmeros relatos. Depois de um tempo, a coisa toda parou de fazer sentido. Começou a ficar mais violenta. Afinal, se tínhamos o mesmo propósito, por que brigávamos? Não estávamos chegando a lugar nenhum, a coisa não evoluía, não saía do lugar, acrescenta Clemente.

MENINOS EM FÚRIA: O COMEÇO DO FIM

Autor: Marcelo Rubens Paiva e Clemente Nascimento

Editora:Alfaguara (248 págs., R$ 39,90)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.