Vistos como vilões no recente surto de febre amarela que atinge o País, os mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes, principais transmissores da versão silvestre da doença, também têm um lado “mocinho”. Acostumados a viver nas copas das árvores e a botar seus ovos em criadouros naturais, sua presença em determinada área costuma indicar grande preservação ambiental. São ainda considerados “tímidos”, pela “pouca agressividade” com que atacam seus alvos, e belos, por causa de sua coloração cintilante.

“Tanto o Haemagogus quanto o Sabethes são indicadores de qualidade ambiental porque precisam de locais com grande cobertura vegetal e presença de primatas, o que pressupõe uma área bem preservada”, afirma Joaquim Pinto Nunes Neto, pesquisador em saúde pública do Instituto Evandro Chagas. “Esses mosquitos dificilmente vão sobreviver em cidades. Temos dificuldades de criá-los em laboratório, por exemplo. É diferente do Aedes, que a gente brinca que é igual cachorro de invasão: se adapta a qualquer ambiente”, diz o especialista.

As fêmeas dos mosquitos desses gêneros costumam depositar seus ovos em buracos e ocos de árvores ou em orifícios de bambus. A água necessária para a eclosão do ovo deve ser limpa, mas pode conter matéria orgânica, como restos de folhas. “De modo semelhante aos mosquitos do gênero Aedes, seus ovos são depositados nas superfícies laterais dos criadouros naturais, próximos da superfície aquática. Por ocasião das chuvas, os ovos entram em contato com a água e eclodem”, diz Antônio Ralph Medeiros de Sousa, biólogo e doutorando da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

Depois de dois dias de maturação dos ovos, bastam dez minutos de contato com a água para que se transformem em larvas. A partir daí, são necessários cerca de sete dias para que a larva se desenvolva, passe pela etapa de pupa e finalmente atinja a idade adulta, que dura, em média, um mês. Para que o mosquito passe a transmitir a doença, porém, ele precisa picar um animal doente.

Embora a água seja fundamental para a reprodução desses mosquitos, períodos de seca não impedem a continuidade dessas espécies. Os ovos podem resistir até um ano em ambiente seco. E a fêmea pode botar até 80 ovos em cada ciclo reprodutivo.

Timidez

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No comportamento, os Haemagogus e Sabethes não são daqueles insetos chatos que se aproximam mesmo em meio a tentativas de palmadas. “São mosquitos mais tímidos, que se aproximam devagar, demoram para pousar”, diz Renato Pereira de Souza, pesquisador científico e diretor do Núcleo de Doenças de Transmissão Vetorial do Instituto Adolfo Lutz.

A timidez, porém, pode ser uma armadilha para as vítimas do mosquito, que não costumam notar quando são picadas. “Eles têm hábitos diurnos, e preferem picar no período mais quente do dia, entre as 10 horas e as 15 horas, quando geralmente os animais estão descansando ou menos ativos”, explica o especialista.

Os macacos são o principal alvo das picadas. Não por acaso, as mortes desses primatas por febre amarela são um dos primeiros sinais de alerta aos órgãos de vigilância sobre a circulação do vírus em determinada região. “Os hábitos desses mosquitos estão muito relacionados ao seu principal alvo. Os mosquitos vivem nas copas das árvores porque é lá que ficam os macacos, e picam mais as extremidades dos dedos dos pés e das mãos e a região do rosto porque são as áreas onde os macacos não têm pelos”, afirma Nunes Neto.

Há apenas uma espécie, a Haemagogus leucocelaenus, comum em matas do Sul e Sudeste do País, que prefere áreas mais próximas do solo, em vez das copas das árvores. “Mesmo os que ficam nas copas também podem descer para perto do solo. É nessa situação que o homem acaba infectado acidentalmente, quando está em uma área rural ou de floresta”, explica Souza, do Adolfo Lutz.

Entre os macacos, as maiores vítimas da febre amarela são os bugios, mas há registros de infecção também em macacos-prego e saguis.

No Brasil, além do Haemagogus leucocelaenus, as principais espécies transmissoras da febre amarela silvestre são Haemagogus janthinomys, Sabethes chloropterus, Sabethes cyaneus e Sabethes glaucodaemon. Em ambiente urbano, o Aedes aegypti é o principal vetor da doença, mas não há registro de circulação do vírus em cidades desde 1942.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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