Tanto Heiner Müller quanto Peter Weiss, escritores alemães, tinham a capacidade de reescrever a história em obras que provocavam o encontro atemporal com personagens notáveis. Em 1969, Weiss escreveu sobre o exílio de Leon Trotsky e a Revolução Russa e, antes, em 1964, instalou no universo do Hospício de Charenton sua narrativa sobre a Revolução Francesa.

Marat-Sade ganhou montagem do Teatro da Pequena Morte, com direção de Reginaldo Nascimento, em cartaz no Teatro Comune. Ao todo, os 23 jovens atores se lançam no palco com a narrativa que pretende dar conta da Perseguição e Assassinato de Jean-Paul Marat Representado Pelo Grupo Teatral do Hospício de Charenton Sob a Direção do Marquês de Sade, título original da peça.

O drama musical situado no século 19 utiliza o recurso de metalinguística: uma peça montada com os pacientes de um hospício e dirigida pelo próprio Sade. Nascimento explica que a primeira proposta para o grande elenco foi que cada um concebesse um tipo de patologia para seus personagens. “São estupradores, esquizofrênicos, insones e, naquela época, havia essa despersonalização do indivíduo, todos eram colocados no mesmo lugar.”

E é por meio desses loucos que surge o relato lúcido sobre a perseguição e o assassinato do revolucionário Marat. “O texto de Weiss escolhe o lugar do hospício a fim a demonstrar a febre que o povo sofria. Aos poucos, as pessoas percebem a necessidade de luta e protestam frente a uma França que teme a ascensão da nova burguesia”, pondera o diretor.

Narrada na casa de banhos do hospício, a peça não pretende lançar olhar sobre os conflitos políticos do Brasil, ainda que a hora seja urgente. “Escolhemos observar o aspecto macro da política, sem identificar diretamente com o que acontece no País.”

Já na trilha, mais do que organizar uma frente armada, a música reflete o que essa frente tem a dizer. Na função de diretora musical, Ângela Calderazzo incorporou na montagem sua pesquisa de mestrado sobre o papel da música na revolução e a influência das ideias do filósofo Jean-Jacques Rousseau. Ela se inspira no episódio conhecido como a Querela dos Bufões, que expôs a controvérsia entre a música de Jean-Philippe Rameau, tida como ultrapassada, e a de Rousseau, devoto de uma música composta por harmonias simples e pautada por vozes em uníssono, elemento que provocaria a adesão das massas.

“Ele pretendia, em suas composições, o retorno a um estado de natureza que se opusesse a uma sociedade corrompida”, conta. Segundo ela, Rousseau acreditava que a repetição de temas possibilitaria o aprendizado de uma ideia ou de uma moral, o que abriria as portas para o futuro de uma nova nação. “A arte e música estariam ligadas ao público/ouvinte e deveriam provocar uma transformação do indivíduo.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.