A ponta de baixo da África tem uma riqueza musical que Jimmy Dludlu conhece como poucos. Esse guitarrista de 51 anos nasceu em Maputo, Moçambique, e cresceu na vizinha Cidade do Cabo, África do Sul. Já sabendo o que queria ser, influenciado por sete primos que o queriam ver com uma guitarra colada ao peito, seguiu por Botsuana, Namíbia e Suazilândia. Ficou quatro anos em Gana para aprender música tradicional e highlife, o gênero musical dos anos 20 que abriu as portas do continente para os elementos da música ocidental, e outros seis anos em Chicago, estudando jazz. Dludlu é um especialista com uma rara visão, de dentro e de fora.

O Jazz na Fábrica, do Sesc Pompeia, o terá como uma das atrações de hoje, a partir das 21h30. É precioso poder conhecer um homem de carga musical fora dos padrões do que se aprende a ouvir como jazz. Sua guitarra não é isolada. A vivência pelos Estados Unidos lhe deu o sotaque de George Benson em improvisos do instrumento dobrados pela voz, mas as semelhanças não vão muito além. Dludlu canta quase sempre em um dos 11 dialetos que sabe falar (feito normal para os povos daquelas regiões) e faz incursões por ritmos africanos contagiantes.

Quando ouve a comparação feita com Benson, ele sorri. “Eu comecei a tocar viola com 3 anos por causa de Benson e de Wes Montgomery. Essa expressão está em mim, bebi muito dessa fonte”, diz, usando o “viola” para se referir ao violão, no português moçambicano. Ele se recorda de ter tido uma grande emoção em um festival de jazz dos anos 1990, quando tocou no mesmo palco do ídolo.

In The Groove, seu disco mais recente, é de 2016 e deve guiar a maior parte da apresentação. Ele faz jus ao nome em temas como Ha Deva e Masseva, com o ritmo africano diluído em um suingue rítmico funkeado e vibrante. O melhor e mais bem produzido de seus nove álbuns (embora tenha sido Corners of My Soul, de 2006, o álbum que lhe deu dois prêmios Sama, o Grammy sul-africano), faz uma homenagem à música moçambicana, mas percebe-se ao mesmo tempo muita pegada jazz. Por muitos momentos, o show não é de se ver sentado. “Assim como não tenho como repetir o dia de ontem, é impossível fazer a mesma música do álbum anterior”, diz, sobre o fato de seus discos terem sonoridades tão surpreendentes de um para outro lançamento. “Se fosse assim, com repetições do que fizemos em outros discos, eu já estaria morto.”

Ao contrário da pouca presença de nomes novos da música africana no Brasil, ele diz que sempre teve informação e conhecimento do que se passava no Brasil. Fala dos mais óbvios Tom Jobim, a quem chama de “Antônio Carlos”, Gilberto Gil, Djavan e João Bosco, mas lembra também do guitarrista Ricardo Silveira. “A lista é grande, mas é bom lembrar de que, quando ouço música brasileira, estou sempre ouvindo música africana. Sem a África, a música ocidental não existiria.”

Saber quem faz a nova música da África, no entanto, é algo cada vez mais difícil por causa das pressões do mercado de entretenimento. “Os produtores precisam trabalhar apenas os grandes nomes. São raros esses momentos em que somos chamados para fazer trabalhos como este, em São Paulo.” Esta é a primeira vez que ele vem ao Brasil.

Os mais recentes movimentos migratórios africanos, que já estão sendo chamados como a “nova diáspora” depois do saque humano do continente promovido por colonizadores europeus desde o século 15 até o final do século 19, pode gerar, segundo Dludlu, novas forças matrizes para a renovação da musicalidade africana no mundo.

O fato de povos como nigerianos, ganenses, malineses e ugandenses estarem se espalhando por outros países, motivados ou não por conflitos, poderá refletir, a médio prazo, na cultura local, algo que só será mais visível assim que houver frutos da nova miscigenação e que a música for produzida por essa geração. Angola e República Democrática do Congo estão entre os cinco países com maior número de refugiados no Brasil.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.