06/07/2016 - 7:55
Decano do Supremo Tribunal Federal, o ministro Celso de Mello contrariou orientação do plenário e suspendeu um mandado de prisão expedido pelo Tribunal de Justiça de Minas contra um réu condenado por homicídio. A medida foi tomada em meio à expectativa de que a Corte volte a analisar a prisão antes do trânsito em julgado – quando se esgotam todas as possibilidades de recurso.
Em julgamento em fevereiro, por 7 votos a 4, os ministros entenderam que a pena poderia ser cumprida logo após a confirmação da sentença em segunda instância.
A decisão do decano – ele foi voto vencido no julgamento de fevereiro – causou reação da força-tarefa da Operação Lava Jato. O procurador da República Deltan Dallagnol afirmou que a interpretação de que a execução da pena em segundo grau não é regra “pode prejudicar a realização de acordos de colaboração” premiada.
“Porque o réu passa a ver o horizonte da impunidade como algo alcançável. É uma lição básica de negociação que ninguém faz um acordo quando a existe uma alternativa melhor do que o acordo. Por que um réu vai admitir os crimes, devolver o que desviou e se submeter a uma pena se a alternativa é a impunidade?”, disse Dalllagnol ao jornal O Estado de S. Paulo.
Encarado como uma forma de combater a morosidade da Justiça, o entendimento da maioria do STF tem como defensor o juiz Sérgio Moro. Na Operação Abismo, deflagrada na segunda-feira, 4, ele afirmou em seu despacho que a “corrupção se alastrou no País porque prisão não é regra”. Uma das consequências do entendimento, por exemplo, é estimular que condenados, na iminência de serem presos, façam acordo de delação premiada e contribuam com as investigações.
A questão se tornou polêmica depois da divulgação de gravações de conversas do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, em maio. Num dos diálogos, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirma que o Congresso precisa aprovar uma nova lei para restabelecer as prisões somente após o trânsito em julgado. “A lei diz que não pode prender depois da segunda instância, e ele aí dá uma decisão, interpreta isso e acaba isso”, disse Renan.
Para entidades e especialistas, o posicionamento do decano do STF traz insegurança jurídica.
Celso de Mello, no entanto, afirmou que a decisão do STF sobre o assunto “não se reveste de eficácia vinculante”, o que significa que a jurisprudência da Corte “não se impõe à compulsória observância dos juízes e tribunais em geral”.
“Em nosso sistema jurídico, ninguém pode ser despojado do direito fundamental de ser considerado inocente até que sobrevenha o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser tratado como se culpado fosse antes que sobrevenha contra ele condenação penal transitada em julgado”, escreveu o ministro, em decisão do dia 1.º deste mês.
Neste semestre, o STF deverá voltar ao tema para analisar a constitucionalidade da medida.
‘Minoria’
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho, afirmou que a posição do ministro não ajuda nem o STF nem instâncias inferiores. “Isso diminui a segurança jurídica da decisão, e ele, como decano, sabe disso. Não faz bem a ninguém quando a minoria começa a desrespeitar decisão colegiada.”
Na avaliação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a decisão não tem implicação direta no entendimento do STF sobre o caso. “O ministro tem o direito de defender sua posição, mas não seria normal se o STF mudasse de posição com tão pouco tempo”, disse o presidente da entidade, João Ricardo Costa.
Claudio Langroiva Pereira, professor de Processo Penal da PUC-SP, considerou a decisão de Celso de Mello acertada ao corroborar entendimento de convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), uma das autoras de ação direta de constitucionalidade que pede a revisão da decisão do Supremo, também é contrária à jurisprudência “preocupante” da Corte. A entidade prevê que a decisão vai punir acusados injustamente e desrespeitar o princípio da presunção de inocência.
O ministro Gilmar Mendes afirmou à reportagem que “continua com a mesma convicção” – ele votou com a maioria. “Uma coisa é presunção de inocência. Outra coisa é presunção de inocência de quem vem sendo envolvido sistematicamente em condenações. Tem de haver uma mitigação do conceito de presunção de inocência.”
Juízes garantistas
O criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay – autor de uma ação direta de constitucionalidade que pede a revisão da decisão do Supremo de permitir a prisão definitiva antes do trânsito em julgado – considerou positiva a medida tomada pelo ministro Celso de Mello.
Responsável pela defesa de ao menos 15 políticos que são alvo da Lava Jato, Kakay protocolou a ação no Supremo Tribunal Federal por meio do Partido Ecológico Nacional (PEN). Agremiações partidárias têm legitimidade para representar na Corte.
“A grande vantagem dessa ação (de Celso de Mello) é trazer de volta essa discussão que está perpassando toda a sociedade brasileira”, afirmou o advogado. “Então, nós temos juízes garantistas que têm a preocupação de manter o entendimento anterior.”
Outra ação que questiona a decisão do Supremo foi proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A expectativa de Kakay é de que o STF analise as ações em meados de agosto, após o fim do recesso do Judiciário. Ele afirma que sua iniciativa não tem relação com os clientes que defende.
“Todo mundo está cansado do excesso de corrupção, daquilo que se chamava impunidade no Brasil. A discussão é a seguinte: para levar 20 ou 30 figurões da Lava Jato para cadeia na segunda instância, é preciso sacrificar um direito constitucional que estava arraigado e levar cento e tantas mil pessoas para a cadeia?” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.