No crepúsculo de uma vida política que parecia destinada aos bastidores do poder, o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP), 75, prepara-se para assumir de forma definitiva a cadeira da presidente afastada, Dilma Rousseff, cuja queda ele precipitou.

Hoje, Temer está a apenas um passo de seu objetivo: que o Senado destitua definitivamente a presidente petista em um julgamento histórico que começou na quinta-feira que deve deixá-lo na Presidência até o final de 2018.

Há 15 anos presidente do PMDB, fiel da balança de todas as maiorias de governo desde 1994, Temer acumulou rancores em cinco anos de um casamento de conveniência com Dilma.

Em dezembro de 2015, esse conciliador pouco afeito a rompantes e gestos imprevistos surpreendeu, ao condenar Dilma por tê-lo desprezado, tratando-o como um “vice-presidente decorativo”.

Agravada pelo escândalo de corrupção que varreu a Petrobras e por uma recessão econômica histórica, a crise política atingiu um ponto sem volta.

Chegou a hora, para Temer, de sair das sombras. Velha raposa da política, ele orquestrou no final de março o desembarque do PMDB do governo, um golpe fatal que acabaria levando ao afastamento de Dilma por parte do Senado, em 12 de maio, e ao acesso ainda “provisório” de Temer à Presidência.

O fato é que, agora, pouco importa para Temer ser chamado, por Dilma, de “traidor” e de “chefe da conspiração” que tramou um “golpe de Estado” parlamentar.

Turbulências

No início de seu governo, a foto de seu gabinete ministerial formado exclusivamente por homens de meia-idade, brancos e conservadores gerou protestos, amplificados rapidamente pela renúncia de três ministros, citados no escândalo da Petrobras.

Seu discurso de unidade nacional ainda não convenceu, e uma grande parcela dos brasileiros questiona sua legitimidade.

Tão impopular quanto Dilma, Michel Temer foi copiosamente vaiado na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio-2016, diante de centenas de milhões de telespectadores do mundo todo. Manifestações espontâneas, pedindo #ForaTemer, foram vistas nos estádios e arenas nas duas semanas de competições. Não à toa, o presidente interino decidiu não comparecer à festa de encerramento.

Mais novo de oito irmãos de uma família de imigrantes libaneses, Temer nasceu em São Paulo. Esse homem de perfil impassível, seja por temperamento, seja por procedimentos estéticos, e sempre elegante também pode surpreender. Em 2013, publicou uma coletânea de poesias intitulada “Anônima Intimidade”.

Teve cinco filhos de três casamentos em quatro décadas. Sua mulher atual, a ex-miss Marcela, 43 anos mais jovem do que ele, é mãe do caçula Michelzinho e está grávida.

Esse político que se diz de “fala suave”, ao contrário do tom “agressivo” de Dilma Rousseff, segundo ele, está se beneficiando por enquanto da “benevolência” dos mercados, mais tranquilos com suas posições mais liberais.

Preocupados com a degradação econômica do país, os mercados agora comemoram suas medidas impopulares que ainda não saíram do papel: ajuste e restrição orçamentária e reformas estruturais na Previdência e na legislação trabalhista.

Assim como Dilma, porém, Temer terá de compor seu governo com um Congresso fragmentado, onde os apoios são negociados de diferentes formas, como a distribuição de polpudas verbas e de milhares de cargos de confiança na máquina pública.

Também não ajuda ter seu partido envolvido nos escândalos de corrupção da Petrobras. A tempestade política já engoliu o peemedebista Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, o qual deu o pontapé para o processo de de Dilma. O próprio Temer foi citado por outros acusados, mas segue blindado, sem ser incomodado até o momento pela Justiça.

Para acalmar seus novos aliados conservadores, Temer garante que não será candidato à Presidência em 2018 – do mesmo modo, talvez, como um dia jurou fidelidade à Dilma.

Agora, com a petista à beira do abismo, os versos de um de seus poemas, “Embarque”, ganham ares premonitórios:

“Embarquei na tua nau / Sem rumo. Eu e tu. / Tu, porque não sabias / Para onde querias ir. / Eu, porque já tomei muitos rumos / Sem chegar a lugar nenhum”.