A líder birmanesa, Aung San Suu Kyi, afirmou nesta terça-feira que Mianmar está preparada para organizar o retorno dos 420.000 refugiados rohingyas que fugiram para Bangladesh, mas sem anunciar medidas contra o que a ONU chama de “limpeza étnica”.

“Estamos preparados para iniciar o processo de verificação a qualquer momento”, afirmou a dirigente de fato de Mianmar em referência à minoria muçulmana que fugiu para Bangladesh em um êxodo sem precedentes.

Suu Kyi decidiu quebrar o silêncio, mas não na tribuna da ONU em Nova York, para onde desistiu de viajar, e sim em Naypidaw, a capital administrativa de Mianmar.

Um gesto simbólico, no momento em que o nacionalismo birmanês provoca muitas críticas internacionais pela situação dos refugiados que fugiram para Bangladesh depois de abandonar o estado de Rakhine, onde o Exército realiza uma ampla campanha de represálias após ataques de um grupo rebelde desta comunidade no fim de agosto.

“Estamos preocupados após escutar sobre o volume de muçulmanos que fugiram para Bangladesh”, disse Suu Kyi em um discurso em rede nacional de TV, no qual “condenou as violações dos direitos humanos e a violência ilegal”, que podem ter exacerbado a crise.

Suu Kyi também afirmou que o país não deve ser dividido por “crenças religiosas”.

A dirigente declarou que as Forças Armadas birmanesas receberam instruções para que “tomem todas as medidas para evitar danos colaterais e que os civis fiquem feridos” em sua operação.

A organização Anistia Internacional (AI) lamentou, no entanto, que Aung San Suu Kyi não tenha condenado explicitamente o papel do Exército.

“Existem provas esmagadoras de que as forças de segurança realizam uma campanha de limpeza étnica” contra os rohingyas, afirmou a AI.

“Continuam acontecendo incêndios no estado de Rakhine (…). Não é como se tudo tivesse parado em 5 de setembro”, insistiu Phil Robertson, da Human Rights Watch (HRW), que exibiu fotos de satélites.

A ONG voltou a pedir que a ONU adote sanções contra Mianmar.

Os investigadores da ONU sobre a situação dos direitos humanos em Mianmar reiteraram nesta terça-feira a demanda de “acesso completo e sem obstáculos” ao país, onde, afirmaram, acontece uma grave crise humanitária.

“É importante que possamos ver com nossos próprios olhos os lugares onde aconteceram as supostas violações e conversar com as pessoas afetadas e as autoridades”, declarou o presidente da missão, Marzuki Darusman, ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra.

– Rejeição aos rohingyas –

A rejeição aos rohingyas, considerados estrangeiros neste país com mais de 90% de sua população budista, é muito comum entre os birmaneses.

Desde que a nacionalidade birmanesa foi retirada do grupo em 1982, os rohingyas passaram a sofrer muitas limitações: não podem viajar nem casar sem autorização, não têm acesso ao mercado de trabalho nem aos serviços públicos (escolas, hospitais).

No ano passado, na Assembleia Geral da ONU, Aung San Suu Kyi prometeu defender os direitos desta minoria e opor-se aos “preconceitos e à intolerância”.

“Este compromisso com o retorno dos refugiados segundo os termos do acordo de 1992 é algo novo e importante”, disse Richard Horsey, analista independente que mora em Mianmar.

Mas longe do discurso destinado especialmente à comunidade internacional, os birmaneses consideram amplamente que os rohingyas não são parte da nação birmanesa.

Aung San Suu Kyi sugeriu o contrário nesta terça-feira, afirmando seguir o caminho aberto por seu pai, Aung San, líder da independência birmanesa: a Constituição de 1947 permitiu a uma grande parte dos rohingyas obter um estatuto legal e o direito ao voto.

Mas a ditadura militar instaurada em 1962 utilizou o ódio contra os muçulmanos e a lei birmanesa sobre a nacionalidade de 1982 deixou os rohingyas apátridas.

Aung San Suu Kyi se distancia, diplomaticamente, do comandante das Forças Armadas, o general Min Aung Hlaing, que nas sombras é o homem chave deste caso.

O Reino Unido, antiga potência colonial do país até a sua independência em 1948, chamou nesta terça-feira “as Forças Armadas birmanesas a tomar imediatamente as iniciativas necessárias para acabar com a violência em Rakhine e proteger todos os civis”.

E anunciou que suspendia os seus cursos de formação – que incluem idiomas, direitos humanos e direito internacional, mas não o treinamento para combate – dos militares deste país até que se encontre uma “resolução aceitável” à crise.