Ivonette Balthazar coloca a mão no peito, onde agora bate forte o coração trasplantado de um atleta olímpico alemão. “O motorzinho está aqui”, diz.

Três meses e meio depois de uma extenuante, mas bem-sucedida operação para substituir seu coração, em plena realização dos Jogos Olímpicos do Rio, a brasileira, de 66 anos, está maravilhada e agradecida por estar viva.

A enorme cicatriz em seu peito já começa a ficar mais tênue, mas lidar com as emoções de dever sua sobrevivência a um homem que ela nunca conheceu e que teve de morrer para que ela estivesse viva hoje ainda lhe resulta difícil.

A saúde de Balthazar vinha se deteriorando desde que ela sofreu um ataque cardíaco, em novembro de 2012. Em agosto deste ano, ela mal conseguia andar ou conversar.

“Eu estava desesperada”, disse à AFP em uma entrevista no seu pequeno e elegante apartamento no Rio de Janeiro.

Em seguida, veio a Olimpíada, trazendo com ela milhares de turistas e os melhores atletas do mundo. Entre eles estava Stefan Henze, o técnico da equipe de canoagem alemã que ganhou a medalha de prata nos Jogos de Atenas de 2004.

Depois que o atleta de 35 anos morreu em um acidente de carro na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, Balthazar recebeu a ligação.

De acordo com a legislação brasileira, os hospitais não podem revelar a identidade do dador de órgãos, mas a morte do alemão estava em todos os jornais e a família de Balthazar logo deduziu qual era a origem do coração transplantado.

Agora, esta dupla improvável – uma avó do Rio e um atleta olímpico morto tragicamente – está unida na mais estranha e profunda intimidade possível.

“Quando estou sozinha”, diz Balthazar, “eu coloco a mão no coração e digo: ‘Meu Deus, esse menino me trouxe de volta à vida'”.

Corrida contra o tempo

Balthazar era fumante e uma chefe com muitas responsabilidades na sua própria agência de recursos humanos. A vida era “trabalho, trabalho, trabalho”, conta.

Então veio o ataque cardíaco e, apesar das tentativas de tratar sua condição, um desgaste aterrorizante no qual ela podia medir o seu coração falhando aos poucos, batendo em um ritmo cada vez mais lento. O pulso chegou a 49 batimentos por minuto. “Quase parou”, diz.

Em janeiro de 2015, ela entrou na lista de espera do transplante, com sete pessoas na sua frente, e foi submetida a uma bateria de exames para avaliar se era saudável o suficiente para passar por uma eventual cirurgia.

Em maio deste ano, ela passou para o primeiro lugar da fila, quando já estava em uma corrida contra o tempo para salvar sua vida. “Eu não estava em condições de fazer nada, nem de conversar nem de respirar direito”, lembra.

Duas vezes por semana – às quartas e sextas-feiras – o hospital ligava para seu celular para saber como estava. “Então eles me ligaram em uma segunda-feira e me disseram: ‘Venha ao hospital, temos um coração para você'”.

Balthazar estava apavorada quando entrou no centro cirúrgico, no dia 15 de agosto. Ela disse aos seus filhos Fabio e Renata que estava “preparada para morrer”.

Nova atitude

Hoje Balthazar ainda tem problemas para comer, sofre de má coordenação e usa uma máscara cirúrgica na rua para proteger seu fraco sistema imunológico. Mas ela está se recuperando rapidamente.

“Minha saúde mudou totalmente, antes eu não podia fazer nada”, afirma. “Eu não estaria aqui falando com você”.

Ela planeja inclusive participar de uma corrida com outros pacientes transplantados no ano que vem, como uma “homenagem” a Henze.

Mas a maior mudança foi na sua atitude. Ela sonha em voltar ao trabalho, mas também em desfrutar coisas simples e ver seus cinco netos crescerem.

“Eu tinha uma vida tão ocupada antes”, diz. Agora “eu digo para as pessoas, (…) o trabalho é necessário, mas não é saudável”.

Embora tenha enviado uma carta de agradecimento à família de Henze através do consulado alemão e diga que gostaria de “abraçar a mãe dele”, ela não está “emocionalmente pronta” para um contato mais direto.

Mas ela pensa muito no atleta morto.

“Procurei mais informações sobre ele, mas não encontrei muita coisa. Descobri coisas sobre sua vida profissional, mas sobre sua vida pessoal não encontrei nada. Gostaria de saber mais sobre a vida dele”, disse. “Eu sei que ele era alegre, uma pessoa animada”.

E faz uma promessa: “Cuidar deste coração com muito carinho”.