O vermelho está em praticamente todos os prédios públicos de Maricá, cidade de 150 mil habitantes na Região dos Lagos que se tornou laboratório da implantação progressiva de um programa de renda básica universal.

“Falta criatividade no mundo, e Maricá tem a singela pretensão de dar o exemplo de uma cidade que sabe redistribuir suas riquezas”, declarou, orgulhoso, o ex-prefeito petista Washington Quaquá (2008-2016).

Abalado pela recessão e pelos escândalos de corrupção, o PT sofreu uma derrota histórica nas eleições municipais de outubro passado. Em Maricá, porém, depois de dois mandatos consecutivos, Quaquá conseguiu eleger seu herdeiro político, Fabiano Horta.

“Somos um laboratório para a esquerda brasileira”, insiste esse ardoroso admirador de Che Guevara, em seu escritório repleto de imagens do líder revolucionário.

Em breve, um hospital local que está em construção receberá o nome do célebre argentino.

Há três anos, Quaquá lançou o Mumbuca, a primeira moeda social virtual do país. Graças a um cartão magnético – vermelho -, os beneficiários do programa recebem um “complemento de renda” para comprar artigos de primeira necessidade em algumas lojas.

Dinheiro do petróleo para todos

No final de 2015, no âmbito dessa iniciativa, Quaquá lançou um projeto de “Renda Básica de Cidadania” (RBC), dedicado a beneficiar os moradores de Maricá, incluindo os bebês.

A experiência chamou tanta atenção que a revista britânica The Economist dedicou uma matéria a esse projeto ainda embrionário.

De qualquer modo, ainda se está longe, por exemplo, da promessa de renda universal de 750 euros por mês que o candidato socialista à eleição presidencial na França Benoît Hamon pretende implantar gradualmente em dois mandatos.

Hoje, apenas as 14 mil famílias mais carentes de Maricá têm acesso a uma “RBC” modesta de 10 Mumbucas, o equivalente a R$ 10. Essa quantia se soma aos R$ 85 em benefícios sociais mensais concedidos a essas famílias.

No caso dos jovens de 14 a 29 anos e das grávidas de baixa renda, é possível acumular outros benefícios, cujo valor é sempre depositado no cartão Mumbuca.

A prefeitura quer aumentar a RBC para R$ 100 até o fim deste ano, mas ainda não se pronuncia sobre um cronograma para sua universalização.

Apesar da recessão no país desde o início de 2015, o atual prefeito espera financiar integralmente o projeto, já contando com a receita proveniente do pré-sal. Horta tem a expectativa de vê-la “aumentar de maneira exponencial nos próximos dez anos”, graças, entre outros, ao “Campo Lula”, um campo em águas profundas descoberto perto de Maricá.

“A equação fundamental consiste em fazer esse dinheiro circular nas camadas populares, estimulando a economia local”, explica o prefeito.

‘Cultura do assistencialismo’

Por enquanto, apenas 131 lojas locais aceitam o Mumbuca, menos de 10% do total, admite a prefeitura. Os comerciantes alegam que são reembolsados pelo governo apenas entre 30 e 40 dias após as compras feitas pelos titulares do “cartão vermelho”.

“Graças ao Mumbuca, eu consigo comprar alguns remédios e produtos de primeira necessidade, mas a carne continua muito cara”, lamenta Paula Pereira, de 34 anos, que deixa a padaria com garrafas de leite compradas com o benefício.

O vereador da oposição Filippe Poubel (DEM) denuncia a instauração de uma “cultura de assistencialismo”.

“As pessoas querem trabalhar, ganhar seu próprio dinheiro com dignidade. Elas seriam bem mais felizes, se a prefeitura criasse esses empregos e lhes oferecesse atendimento decente no hospital”, criticou.

“Os ricos adoram ganhar milhões em benefícios fiscais, mas ficam furiosos quando a gente quer dar R$ 100 para os pobres”, rebate Washington Quaquá.

Em abril deste ano, ele irá à França para falar de seu programa de renda universal, a apenas alguns dias do primeiro turno das eleições presidenciais.