Minha ressaca olímpica já dura três dias (escrevo na quarta-feira) e não dá sinais de que vai passar. Não há o que fazer senão pedir desculpas pela falta de assunto novo. É que sou brasileira e padeço de carência crônica de orgulho próprio. Também sou mulher e não é sempre que tenho motivos para comemorar conquistas do gênero. Nunca uma olimpíada teve tantas de nós competindo. 45% dos atletas eram mulheres. Em delegações que colecionam ouros, pratas e bronzes, mais mulheres do que homens vieram ao Brasil. No caso dos EUA, 53%, e China mais de 60%. E elas vieram para ganhar.

A queridinha da ginástica artística, Simone Biles, levou cinco medalhas para casa e foi comparada aos mitos. Todos homens. Ela respondeu com uma frase que me pegou pela simplicidade da ideia que transmite: “Não sou o próximo Bolt ou Phelps. Sou a primeira Simone”.

Ninguém está acostumado a heroínas. Ser o mais forte, o mais rápido, sempre foi coisa de homem. Aí vem a húngara Katinka Hosszú e arrasa nos 400 metros livre! “O responsável pelo feito é o marido e treinador da atleta”, sacou um comentarista da NBC. Quando a também nadadora Kate Ledecky sobe ao pódio é porque “nada como um homem”. Os comentários machistas sobre a atleta americana Allison Stokke, que se dedica ao salto com vara, nem ouso repetir. Isso para não falar de todas as vezes em que ouvi, de gente bacana, que futebol feminino é feio. (Esse povo deve ter saudade do decreto que, na década de 1940, acabou com o futebol feminino porque era uma “prática de esporte incompatível com a natureza feminina”). E de nada adianta a Marta ganhar cinco vezes o título de melhor jogadora do mundo. Ela continua sendo o Neymar do futebol feminino. Por isso gostei tanto da declaração de Simone Biles. A jovem recusou a desqualificação. Não precisa e não quer se escorar num homem.

“Marta ganhou cinco vezes o título de melhor jogadora do
mundo, mas segue sendo o Neymar do futebol feminino”

Ainda assim estou feliz. Porque cada comentário raso e machista ganhou uma saraivada de respostas a altura. Não há outro jeito de mudar a cultura senão pela insistência. Repetir imagens de supermulheres no pódio fará com que os resistentes acabem se conformando. Ou ficando velhos e apenas nostálgicos. “Bons eram aqueles tempos em que o homem ia jogar bola e a mulher ficava em casa fazendo o almoço”. Aí a gente fica com pena do velhinho ranzinza e até faz uma sopinha para ele.