Lula já disse duas vezes publicamente que seu governo não deve ser “apenas do PT”. O protagonismo conferido a Geraldo Alckmin no grupo de transição seria uma prova da “frente ampla” que comandará o País a partir de janeiro. Mas o governo em gestação é o exato oposto do que o próximo presidente prega. O grupo é dominado pelos economistas do PT, com variados graus de pregação intervencionista, e seus titulares são os arquitetos da finada Nova Matriz Econômica, que desorganizou o setor produtivo e desembocou na maior recessão da história do País.

Lula está aproveitando a vitória apertada, conquistada com apoio inclusive de seus críticos para derrotar a ameaça golpista de Bolsonaro, para reabilitar economistas que já tiveram sua chance de testar teses heterodoxas e chicanas populistas, para não mencionar a contabilidade criativa e as pedaladas fiscais. O principal nome do time, Guido Mantega, estava proibido de assumir funções governamentais até 2030, mas já despachava no governo provisório. Precisou se afastar após a tentativa desastrada de puxar o tapete do primeiro presidente brasileiro do BID, um ex-chefe do Banco Central com gestão exemplar no serviço público – ao contrário do czar petista.

Mas Mantega foi rapidamente substituído por outra estrela da constelação petista, Marcio Pochmann, que tentou executar uma limpeza ideológica no Ipea nas gestões Lula-Dilma. Até um dos “pais do Plano Real” atraídos para o grupo de transição, André Lara Resende, ganhou esse espaço exatamente por renegar a prática corrente nos países desenvolvidos e a literatura econômica consagrada, como o uso das taxas básicas de juros para domar a inflação. Persio Arida, o outro “pai do Plano Real”, foi indicado por Alckmin e é o nome de maior estatura para chefiar a economia. Prega a responsabilidade fiscal e uma agenda de reformas. Por isso mesmo, tem chance zero de ser escolhido como o titular da Fazenda.

Os outros “pais” do Plano Real que apoiaram Lula na undécima hora já denunciaram o descaminho do governo em gestação em uma carta aberta ao petista. Foram rebatidos por outros economistas que apontaram a “falácia” da defesa do teto de gastos, entre eles Luiz Carlos Bresser Pereira, que foi ministro do governo Sarney, em 1987, promovendo congelamentos (saiu quando a inflação era de 14% ao mês).

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Está ficando claro o contorno do próximo governo, com os velhos vícios das administrações petistas.  O grupo de transição já tem quase 300 nomes, apesar de a lei prever apenas 50. Lula vai voltar a multiplicar o número de ministérios, que serão no mínimo 37 (ante as 24 pastas que ele recebeu de Fernando Henrique Cardoso, em 2003). Fará como Dilma, que expandiu a Esplanada dos Ministério para 39 pastas.

O inchaço da máquina pública voltará à ordem do dia. Nelson Barbosa, outra estrela da transição que participou do colapso do governo Dilma, admite que a reforma tributária andará em 2023, desde que as extensas discussões no Congresso e nos estados nos últimos anos sejam referendadas pelos profetas da Fundação Perseu Abramo. Já a reforma administrativa não é citada por ninguém em Brasília. Nenhuma surpresa aqui, já que o PT tem o gene corporativista e nunca aceitou o enxugamento de custos. A conta do Estado perdulário continuará a ser paga pela população, na forma de mais impostos ou de maior inflação.

O governo transitório não está sendo montado por uma equipe consagrada com o objetivo de unir o País e tranquilizar os investidores. Ele responde às necessidades do PT de abrigar companheiros e recuperar seus medalhões. É um vício sectarista que acompanha a origem da legenda. A briga de egos no CCBB, em Brasília, tem mais a ver com o “reposicionamento” de políticos encrencados com vistas às próximas eleições do que com a reconstrução do País. Os titulares do grupo não entendem que precisam se adaptar à agenda do País, e não o contrário. A exceção se dá na área social, como Saúde e Educação, onde de fato haverá um grande avanço sob Lula, até pelo contraste com a devastação deixada pelo atual governo.

Já na economia, o estrago em gestação pode ter proporções bolsonaristas. O problema de Paulo Guedes é que ignorava a lógica da política (e do descalabro social) para impor medidas econômicas falsamente “liberais” (os liberais de fato discordam e denunciam essa impostura). Perdeu-se com o truque da volta da CPMF. O problema do PT é que ignora os agentes, despreza os efeitos deletérios de suas ações, tem má vontade com empresários, acha que investimentos precisam ser bancados com dinheiro público (de preferência escolhidos pelos companheiros)  e considera que o “mercado” é composto por gente de má-fé.

Tudo leva a crer que o novo ministro da Fazenda será mesmo Fernando Haddad, o herdeiro político escolhido por Lula. Seria o coroamento do “dream team” do desastre econômico. Depois de uma gestão desastrosa na prefeitura de São Paulo (Pochmann era seu secretário), Haddad concorreu ao governo paulista este ano, quando teve a oportunidade de declarar em um debate que a privatização do sistema Telebrás nos anos 1990 foi um desastre e encareceu a conta de telefone da população. Com isso, conseguiu não apenas atacar o programa de privatizações que modernizou o País enquanto o PT atacava o FMI: ofendeu a lógica e a memória dos consumidores.

No MEC, Haddad foi o arquiteto do Fies, programa de financiamento que transferiu recursos públicos astronômicos para grupos educacionais (a maioria estrangeiros, que compraram as instituições tradicionais brasileiras) e deixou um prejuízo de 38 bilhões de reais, valor calculado da anistia a ser concedida a 1,2 milhão de estudantes inadimplentes. Além de agredir o bom senso e de demonstrar pouco jogo de cintura com o setor produtivo, o ex-prefeito tem tudo para fazer uma gestão ideológica, tão ao gosto do petismo.

Seria um erro para o desejo de consagração histórica almejado por Lula. Mas, do ponto de vista da lógica do seu partido, faz sentido. O petista parece insistir nos próprios erros. Uma afirmação célebre diz que “insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”. O chiste, falsamente atribuída a Einstein, faz todo o sentido e cabe como uma luva para a recaída de Lula. Já Haddad estaria mais ao gosto de Mark Twain, que dizia: “Algumas pessoas nunca cometem os mesmos erros duas vezes. Descobrem sempre novos erros para cometer”.