Clever, dos uruguaios Federico Borgia e Guillermo Madeiro, chegou esperto, foi o último longa a ser apresentado em concurso, e acabou por levar o prêmio principal – Troféu Mucuripe de melhor filme desta 26ª edição do Cine Ceará. Ganhou também o troféu de trilha sonora.

Com uma história singela, um tanto estranha e com humor minimalista, encantou o público e o júri oficial. Nas primeiras cenas, um lutador de artes marciais, o tal Clever (Hugo Piccinini) divorcia-se e procura manter o relacionamento com o filho. Tem ciúmes da ex. Fanático por carros, vai atrás de um pintor para enfeitar seu Chevette com desenhos de chamas e outras figuras de artes marciais. Vai até Las Palmas, no interior, onde encontra o tal artista de pintura de carros, um fisiculturista de alma delicada, pianista e filho de uma senhora fogosa, ela também pintora, só que de temas eróticos.

O filme é terno, irônico, sutil e enquadra-se naquele “minimalismo melancólico” que define um certo cinema uruguaio. Porém introduz elementos novos, tais como uma certa estranheza que beira o humor surreal, além do diálogo com o western e outras sutilezas espertas.

O brasileiro Maresia foi o segundo mais bem premiado do concurso ibero-americano, com os troféus de direção (Marcos Guttman) e ator (Julio Andrade). A história é adaptada do romance Barco a Seco, de Rubens Figueiredo, e traz Julio Andrade em dois papéis, como pintor atormentado no passado, e crítico de arte cheio de certezas, no presente. Como trabalhou em dobro, e bem, Julio leva para casa seu troféu Mucuripe.

Já o terno drama familiar Avó, do País Basco, ficou com os troféus de fotografia, direção de arte e também o prêmio da crítica, distribuído pela Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema).

O forte documentário Menino 23, sobre o trabalho infantil na era Vargas, tido por muitos como favorito, levou os Mucuripes de roteiro e montagem. Merecia mais.

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Outro bom destaque foi para Sabrina Greve que, com entrega total, transformou-se na alma do terror psicológico Clarisse ou Alguma Coisa sobre Nós Dois, de Petrus Cariry.

Entre os curtas, o prêmio de melhor filme foi para O Teto Sobre Nós, de Bruno Carboni, relato misto de documentário e ficção sobre a desocupação de um prédio abandonado em Porto Alegre, no qual um grupo de sem tetos se estabeleceu. Denso e bem filmado. Índios no Poder deu o troféu de direção a Rodrigo Arareju. Merecido, por colocar em evidência as vozes quase sempre silenciadas das comunidades indígenas.

Premiação à parte, em sua 26ª edição o Cine Ceará apresentou programação consistente, com poucas falhas de curadoria. Teve tônus político, em especial em sua cerimônia de abertura, élan que se manteve, de forma mais diluída, ao longo de todo o evento, até a noite de encerramento. Muitos filmes brasileiros, de maneira direta ou não, expressaram a imagem de um país machucado, que vive momentos muito difíceis. Em especial na visão dos jovens, que se exprimem muito através dos curtas-metragens, o Brasil surge agora como uma espécie de distopia, uma utopia às avessas. Quem pode lhes tirar a razão?


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