Lô Borges, em um ano, lançou dois discos, Clube da Esquina e um solo, e desapareceu de vista. Caiu na estrada, na vida, no mundo. Aos 20 anos, de mochila nas costas e o par gasto de tênis de cor branca nos pés, sumiu do mapa.

Por seis anos, assim ficou. Distante de vista, de estúdios, das prateleiras de discos recém-lançados. Vagou por comunidades hippies, viajou de carona, conheceu o País para se encontrar. E, nessa jornada de descobrimento que os jovens entre 20 e 30 anos tanto sonham em fazer, descobriu-se na música novamente.

O Clube da Esquina foi consagrado e consagrador para Lô e Milton Nascimento. Lô Borges, o álbum solo, por sua vez, jamais entrou no repertório do músico em mais de 40 anos de carreira. Tão opostos, são trabalhos que representam partes de um mesmo artista jovem, ainda a descobrir a própria identidade musical. Embora o Clube seja emblemático para toda a música brasileira, o disco solo de Lô Borges é único em sua urgência, experimentalismo, na fusão do jazz e rock, nas letras curtas e às vezes abstratas. Para entendedores da produção fonográfica nacional daquela época, o debute solo do mais novo da família Borges é um marco por avançar a passos largos em experiências sonoras que outros levariam anos para atingir.

Quarenta e cinco anos depois de entregar o Disco do Tênis, como é apelidado carinhosamente o trabalho solo graças aos calçados de Lô escolhidos para estampar a capa do trabalho, no escritório da gravadora Odeon, no Rio de Janeiro e desaparecer, Lô voltou-se àquelas 15 canções espalhadas em 30 minutos de música pela primeira vez na carreira.

A partir desta sexta-feira, 13, até domingo, 15, Lô vai interpretar as canções erguidas do zero em seis meses de um intenso processo de criação, polimento e gravação, no Sesc Vila Mariana, com uma banda de artistas jovens e arranjos recriados até nas suas imperfeições.

E que ano foi aquele de 1972 para Lô Borges e para a música brasileira. Transa, de Caetano Veloso, Expresso 2222, de Gilberto Gil, dividiam as prateleiras com um saboroso disco de Elis Regina, o primeiro ao lado de César Camargo Mariano, com o samba gentil de Paulinho da Viola em A Dança da Solidão e a efervescência dos Novos Baianos e seu Acabou Chorare – veja mais detalhes no quadro abaixo. Lô também estava ali, ao lado dos grandes, com seu Clube da Esquina e o Tênis.

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Diferentemente de todos os outros artistas dessa lista, inclusive do amigo Bituca, apelido de Milton, Lô não estava certo de que queria estar entre eles.

Tudo aconteceu rápido para o garoto que tinha acabado de completar a maioridade.

Tímido, nem sequer tocava violão ou mostrava suas canções aos integrantes da família Borges ou amigos. O único que ouvia as criações do garoto era Milton, dez anos mais velho. Bituca havia gravado Para Lennon e McCartney no disco Milton, de 1970, uma composição em parceria com Lô, o irmão Márcio Borges e Fernando Brant, mas a timidez do mais jovem deles era notória.

“Se alguém entrasse no meu quarto, parava de tocar o meu violão”, relembra Lô. Quando Clube da Esquina saiu, burburinho entre os Borges e conhecidos de Belo Horizonte não era somente a respeito da qualidade das canções, algo que Milton já havia mostrado anos antes, desde o disco de estreia Travessia. A questão era: poucos sabiam do que Lô Borges era capaz. “As pessoas diziam: ‘poxa, o Lô canta?’ Era engraçado.”

O sucesso do Clube foi tamanho que a gravadora Odeon seria muito incompetente se não propusesse a Lô que criasse seu debute para embarcar no sucesso do disco com Milton. Executivos da gravadora, contudo, não supuseram o que a gravação de um segundo disco, num prazo de seis meses, seria capa z de fazer com o garoto.

“Eu já tinha gravado todas as músicas que eu tinha com o Bituca no Clube da Esquina”, conta Lô sobre o extenuante processo criativo em que precisou embarcar para gravar as canções daquele disco. Já vivendo no Rio desde 1971, com Milton, Hélcio Jacaré e Beto Guedes, saltando de apartamento em apartamento em “estado de consciência alterado”, como ele brinca, Lô precisou se dedicar inteiramente ao novo trabalho. A rotina incluía compor uma música nova pela manhã e gravá-la à noite. “Para um cara de 20 anos, que tinha acabado de fazer o Clube da Esquina, aquilo foi muito para a minha cabeça. Saí das gravações do disco do Tênis muito estressado. Só gostaria de voltar à música profissional quando ela deixasse de ser obrigação.”

Nas andanças, Lô se reencontrou. Lançou mais dez discos até hoje. Revisitar o material de 1972, contudo, só aconteceu por culpa de Pablo Castro, compositor de Belo Horizonte, que mostrou a Lô, ao lado de uma banda jovem formada por Guilherme De Marco (guitarra), Marcos Danilo (guitarra e percussão), Alê Fonseca (teclados), Paulim Sartori (baixo, bandolim e percussão) e D’Artganan Oliveira (bateria), as músicas do disco recriadas tintim por tintim. “Quando ouvi, me senti um menino de novo”, conta Lô. E, dessa vez, ele está pronto para elas.

LÔ BORGES Sesc Vila Mariana. Teatro. Rua Pelotas, 141, telefone 5080-3000. 6ª (13) e sáb. (14), às 21h; dom., às 18h. R$ 7,50 a R$ 25

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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