Mesmo com prazo escasso para mudar a legislação eleitoral, a proposta de reforma política em discussão na Câmara deverá sofrer mudanças no Senado. Líderes de partidos consultados pelo jornal O Estado de S. Paulo afirmam discordar de pontos já aprovados pela comissão especial e preveem alterações no texto, o que pode colocar em risco a votação antes de outubro, prazo necessário para que as novas regras sejam válidas no ano que vem.

A adoção do distritão como sistema eleitoral em disputas parlamentares e a criação de um fundo com dinheiro público para financiar campanhas são as principais polêmicas. Outros pontos, como a adoção de cláusula de desempenho para partidos e o fim das coligações nas disputas proporcionais, que já passaram pelo Senado, têm mais consenso.

Embora a discussão da proposta do distritão tenha sido precedida por reuniões de presidentes de partidos com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), líderes de bancadas como as do PT, PCdoB, PPS, Rede e Podemos afirmam não haver acordo para que a proposta seja aprovada sem alterações no Senado. Caso os senadores alterem algum ponto, a proposta terá de passar por nova votação na Câmara.

“Não tem acordo com o distritão nem com o distrital misto. Vamos lutar contra isso de todas as formas. O que estamos defendendo é que se mantenha o sistema atual”, afirmou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), líder da bancada do partido na Casa, formada por 11 senadores. A proposta aprovada na comissão da Câmara prevê o distritão, em que são eleitos os mais votados em cada Estado, como modelo de transição e, a partir de 2022, o sistema distrital misto, em qual o eleitor vota duas vezes, uma no candidato e a outra no partido.

Líder do PMDB, maior bancada do Senado com 22 integrantes, Raimundo Lira (PB) disse ser preciso aguardar o que vai “sobrar” na votação do plenário da Câmara antes de discutir se o partido irá apoiar. Ele, no entanto, admitiu que não haverá acordo se o distritão não estiver previsto apenas como modelo eleitoral transitório. “O distritão, ao longo do tempo, acaba por enfraquecer as legendas”, afirmou Lira.

No PSDB, o líder da bancada, Paulo Bauer (SC), disse que a tendência é aprovar a proposta caso não haja “surpresas” na Câmara. Ele, no entanto, afirmou que a criação do fundo não terá apoio se os recursos saírem de verbas da área da Saúde e da Educação. Ele propõe incorporar à reforma um projeto de sua autoria que prevê o fim do horário eleitoral em rádio e TV. A medida teria como objetivo baratear as campanhas e usar o valor da dedução fiscal das emissoras para financiar o fundo.

A ideia é semelhante ao que propõe o líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO). Ele, porém, defende ainda uma contribuição de R$ 20 de eleitores para o candidato que escolher. Com isso, segundo ele, tiraria o poder da cúpula partidária de determinar para quem vai mandar o dinheiro. “O projeto é terminativo no sentido de não ficar na decisão, muitas vezes subjetiva, do presidente do partido ou do tesoureiro de definir para quem ele vai mandar”, disse Caiado, que afirmou que irá defender sua ideia por meio de destaque na proposta que vier da Câmara.

O senador Cristovam Buarque (PPS-DF), inclusive, propõe convocar manifestações populares contra a criação do fundo eleitoral com dinheiro público. “Vou votar contra este fundo. Não concordo em princípio e muito mais pelo momento que estamos atravessando. Acabou o tempo em que podemos dispor de R$ 3,5 bilhões. Não vejo de onde tirar esse dinheiro hoje. É preciso reduzir os custos das campanhas. Por que não acabar com o horário eleitoral? Ou fazê-lo sem marketing?”, questionou.

Cláusula de barreira e coligações

Também em discussão na Câmara, o fim das coligações nas disputas legislativas e a adoção de uma cláusula de desempenho para reduzir o número de partidos têm mais consenso. As duas medidas estão em uma proposta de emenda à Constituição (PEC) de autoria dos senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Ricardo Ferraço (PSDB-ES), aprovadas ainda no ano passado pelo Senado.

Segundo Ferraço, mesmo que os deputados aprovem um texto com regras mais flexíveis, como propõe a relatora da comissão especial na Câmara, Shéridan Oliveira (PSDB-RR), as propostas não devem ser novamente alteradas no Senado. “A nossa proposta aqui no Senado era muito mais forte e mais ousada do que a da Câmara, para uma mudança verdadeira. Mas a gente está olhando para esse projeto entendendo que o ótimo é inimigo do bom”, afirmou.