Contrariando as pressões para que o Ministério Público seja afastado dos acordos de leniência com empresas investigadas pela Lava Jato, o ministro da Transparência, Torquato Jardim, é enfático na defesa da instituição: “O Ministério Público participará dos acordos de leniência, independente do que diga a lei anti-corrupção e do que o Congresso legisle”.  Advogado carioca de 66 anos, Jardim diz que está na Constituição essa atribuição do MPF, assim como a do Tribunal de Contas da União (TCU) e a Advocacia Geral da União (AGU).  No comando da antiga Controladoria Geral da União, Jardim é ex-ministro do TSE e um dos maiores especialistas em Direito Eleitoral do País. Ao assumir, recebeu carta de Jimmy Carter, cuja fundação ele integra, na qual o ex-presidente americano disse: “O compromisso do seu cargo é vital para salvaguardar os valores democráticos do Brasil”. Em recente conferência, Jardim comparou as culturas de vários países no que tange à corrupção. Lembrou do suicídio no Japão de um ministro por ter desviado US$ 2 milhões. “Aqui, R$ 2 milhões é a gratificação do manobrista”, disse, diante dos números astronômicos da corrupção no Brasil.

Como o sr. avalia o combate a corrupção na Lava Jato?

Como diz o juiz Sergio Moro, a Lava Jato é um começo. É um avanço civilizatório. As consequências de longo prazo da Lava Jato, nós temos que lutar por elas. Mas não é só no setor público, é no setor privado. É matéria da sociedade, não é só do Ministério Público, do Judiciário, do Executivo ou do Legislativo. Mais importante é a atitude de cobrança da sociedade civil, que deve adotar um critério de não tolerar a corrupção. Ponto. Não interessa onde nem quanto. Não importa se são R$500 mil ou R$50 bilhões. A sociedade civil e estatal têm que compor um novo ambiente de ética. A nova ética deve ser de intolerância à corrupção. Isso é para todos, inclusive na família. Como lembra o filósofo Leandro Karnal,  isso muda no dia em que pai e mãe não procurarem o amigo médico para buscar um atestado para o filho preguiçoso que não fez a prova na escola. Vai do núcleo familiar ao núcleo estatal.

Essas mudanças já aparecem nas eleições?

Um eleitorado esclarecido precisa ver em quem vai votar. Em São Paulo, em 2006, foram reeleitos para a Câmara Federal quase todos os réus do mensalão. O eleitorado não se perturbou em eleger uma dezena de réus. Do ponto de vista ético foi gravíssimo. Merece estudo. Historiadores e sociólogos devem buscar compreender essa indiferença. Não basta uma ação corajosa e decidida do Ministério Público, dos órgãos operacionais do poder executivo. Há uma simbiose da sociedade civil e dos órgãos de mais expressão na mídia Há uma grande cadeia de apoio à Lava Jato e é por isso que ela é irreversível, independentemente de nomes ou de quantias.

Como o sr. avalia a tentativa de exclusão do Ministério Público e do TCU dos acordos de leniência com empresas invstigadas, deixando o trabalho exclusivamente a cargo do Ministerio da Transparência?

Nós temos aqui no ministério, por força de lei, os processos de leniência. Isso implica uma coordenação diária com o Tribunal de Contas da União, com o Ministério Público Federal e a Advocacia Geral da União. A lei anti-corrupção,  na parte que trata de processo de leniência, é equivocada. A lei pretende concentrar toda a atividade aqui no Ministério da Transparência quando TCU, MPF e AGU têm competência constitucional sobre a matéria. Tenho procurado intensamente criar mecanismos operacionais, diplomáticos, para trabalharmos os quatro juntos. Hoje nos temos no ministério sete equipes de auditoria do TCU, participando dos processos de leniência.

O sr. vê pressão política para exclusão do Ministério público?

Surgiu um projeto de lei, não se sabe de quem foi, de modificar essa lei e expressamente conferir ao Ministério da Transparência a exclusividade do trabalho. A minha preocupação, expus ao líder do governo André Moura, e ele concordou comigo, é que omitir que AGU, MP e TCU venham a participar é inócuo.  Os três têm suas leis orgânicas. Não precisa que a lei ordinária diga que eles não podem atuar. Eles poderão sempre em função da Constituição. Também se ignorava essa relação que se põe de transparência aos três estar operando bem. Temos dois servidores que de três em três semanas vão a Curitiba e tem uma convivência de trabalho com o MPF.

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O sr. vê uma manobra de parlamentares e lobistas?

Sei que o texto chegou na mão do líder André Moura, que teve a gentileza e cortesia de me consultar. Expliquei e ele concordou e retirou o processo. É só o que posso comentar.

Não há pressão que exclua o MPF dos acordos?

Não há pressão que exclua o Ministério Público na leniência nem nenhum dos 4 atores dessa peça. MPF, TCU, AGU e Ministério da Transparência prosseguem participando dos acordos, independente do que diga a lei anti-corrupção e do que o Congresso Nacional legisle sobre os processos de leniência. Na atual formatação constitucional, o MPF participa sempre.

O sr. disse que a lei é equivocada. Por que?

Porque pretende afastar os outros três órgãos.

Qual seria a intenção de afastar as instituições?

Ah, não sei. Não sou psiquiatra legislativo.

A Odebrecht está entre os 19 processos de acordos de leniência no Ministério da Transparência. Espera-se que faça o maior acordo de leniência do mundo, devolvendo aos cofres públicos até R$7 bilhões. Qual é a multa para a empreiteira voltar a trabalhar para o governo?

O acordo com a Odebrecht para mim só existe na imprensa.  Processos aqui correm em sigilo. Vários ficam parados à espera das deliberações em Curitiba. Depende do que sair lá, para definir como continuar e como concluir o processo. O que vai fixar multa e condições de pagamento é o acordo de leniência com o Ministério Público e homologado pelo juiz federal.

Como ocorre este trabalho?

Como está o processo nem eu sei. A minha preocupação é que isso seja tratado confidencialmente pelos servidores concursados e estáveis como exige a lei. O secretário executivo, que é de carreira, designa as comissões. Não tenho acesso aos autos, até que o dia em que eu tenha que dar a assinatura final. Se eles precisarem de mim para questões institucionais, agirei como ministro de Estado. Do contrário, agem na mais absoluta confidencialidade e liberdade de ação.

O sr. crê que o projeto de Lei de abuso de autoridade teria a intenção de prejudicar a atuação de juízes?

O projeto é de 2009, portanto antecede à Lava Jato. Portanto, não é motivação para o projeto de lei. No Direito administrativo Penal, há previsão de sanção e abuso de autoridade. Não sei por que eles insistem tanto em levar a matéria adiante.

O sr. acha que a Lava Jato está blindada? É exagero dizer que há pressões políticas?

O qualificativo é seu. Não posso interpretar o sentimento dos procuradores. É o sentimento deles. Pressão há em outras fontes que não o Poder Executivo. Eu acho que, sim, está blindada. Pelo menos do lado ao Executivo, a colaboração é irrestrita. Michel Temer já deixou isso claro.

O próprio juiz Sergio Moro já expôs que há pressões.

É a percepção dele. Não a minha. No Poder Executivo não há preocupação dessa ordem.

A corrupção é disseminada no País?


Prefiro ver isso com desvios setoriais e circunstanciais. Não gostaria de pensar que fosse algo endêmico no Brasil. O filósofo Karnal também tem uma frase, parafraseando Maquiavel, que já citei em palestras. Não há povo honesto com políticos corruptos. Nem povo corrupto com políticos honestos.

O sr. quer regulamentar o lobby?

É uma tentativa de regulamentação no âmbito do Executivo. O problema do lobby é tirar da sombra quem está na sombra. Os grandes intermediários querem a regulamentação. Querem separar o joio do trigo. Joio é veneno. É preciso encontrar um mecanismo que torne visível no documento, na fisionomia de quem defende o que, perante quem, quando e como.

Como desatrelar o lobby da corrupção?

Como disse o juiz Louis Brandeis ( 1856-1941), da Suprema Corte Americana, “a luz do sol é o melhor desinfetante”. Se você estabelece critérios que tragam luz e transparência ao processo administrativo, você fica sabendo quem está tratando e por que. Minha ideia é a regulamentação ser por decreto. Já há um grupo estudando. Será para depois do Carnaval. Ainda não levei o projeto ao presidente. Mas está dentro do plano geral de ação que ele me atribuiu quando vim para cá.

Como ficam os presentes? Serão regulamentados?

Essa é uma incógnita. Terão que ser. Até porque temos esse episódio lamentável de dois ex-presidentes da República que confundiram público e privado, foram desalojados da residência pública levando bens públicos.

Lula e Dilma vão ter que devolver os presentes?

Imagino que sim. Mas quem faz essa avaliação é a Polícia Federal e o Ministério Público.

Pedalinho é presente?

Não sei. A última vez que andei de pedalinho, eu paguei e fiquei com as pernas doendo. Temos que refletir. Uma coisa é fazer um lago na casa particular. Será outra coisa, me pergunto, reformar a piscina de um bem público? Não sei. Você tem uma caneta de R$ 80. Mas há canetas de US$ 20 mil dólares, de ouro e diamante. É inevitável que se receba presente. Faz parte da convivência. Agora, que tipo de presente? A questão é saber a natureza do presente e qual a motivação e o valor.

O sr é a favor do financiamento privado nas eleições?

Sou a favor do sistema de financiamento eleitoral mais transparente possível. Se seria público e privado, o Congresso decide. Defendo a transparência. Por isso estou aqui.
O desafio é maior com o nome Ministério da Transparência?
Não participei da escolha. Mas abre-se um campo de trabalho, com grupos de estudo e trabalho educativo. Deixa-se de ser só controladoria de contas para se tornar uma casa de boas notícias.
O sr. dará boas notícias na direção de menos corrupção no País?
Não sou tão ambicioso assim. Executaremos as tarefas concebidas.


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