Vira e mexe, palavrinhas mágicas — não necessariamente novas — são incorporadas ao vocabulário político. Recomenda-se cautela ao utilizá-las. Não raro, são destinadas a embalar narrativas ao sabor das conveniências de determinado freguês. É o caso de um termo que, embora ainda não seja o da vez, ocupará o noticiário muito em breve: “conciliação”. Como surgirá no contexto da sucessão presidencial de 2018,
a expressão virá para qualificar um(a) aspirante a candidato(a) cujo maior predicado é ser o “nome da conciliação”.

Do latim conciliatio, conciliação é o ato de casar, harmonizar, reunir. Aplicado à política, o vocábulo costuma despertar paixões e ódios. Os que o defendem apontam benefícios em nome de “interesses da nação”, da “paz social” e da “estabilidade política”. Os que o repudiam falam em articulações de poucos, em geral, de cúpula, em decisões restritas de gabinete, sempre em detrimento dos anseios populares.

Na história política brasileira a palavra ganhou notabilidade no Segundo Reinado com o Gabinete Paraná, responsável por consolidar uma inédita estabilidade ao conciliar conservadores e liberais. No livro
“Um Estadista no Império”, Joaquim Nabuco narra o período com rara maestria. Na década de 1990, a obra foi recomendada por FHC aos tucanos mais refratários a uma aliança com o PFL. Também houve conciliação após a Revolução Praieira de 1848 com a adesão dos liberais vencidos, e após a Revolução Constitucionalista de 1932, com a composição de Getúlio Vargas com a elite paulista derrotada.

É possível falar também em conciliação na “política dos governadores” da República Velha, nos acordos
que permearam e permitiram a redemocratização e quando Lula uniu “o capital e o trabalho”, ao compor
a chapa com o vice José Alencar, e lançou a famosa Carta aos Brasileiros. O rompimento do pacto, no entanto, viria sem qualquer pudor ou freio moral mais adiante, como se viu. Exceto para os amigos do rei. Para esses, o Brasil virou Pasárgada — até serem flagrados pela Lava Jato.

O polêmico ex-primeiro ministro do Brasil Imperial (1853), Honório Hermeto Carneiro Leão, o Marquês do Paraná, que recebeu o nobre título sem nunca ter pisado no território paranaense, adorava uma “conciliação”. Usava o termo para designar “o sossego do espírito, a calma das paixões”. Claro, as paixões que ele gostava de serenar eram as do povo. Suspeito de enriquecimento ilícito e um entusiasta da escravidão, Leão não conseguia conter seus instintos mais primitivos ao lidar com uma prima de primeiro grau, com quem, ao fim e ao cabo, acabou casando para que a família não tivesse de dividir as heranças. Instado a explicar sua incompatível evolução patrimonial, usou uma desculpa à la João Alves: teria acertado duas vezes na loteria. Como se vê, um excelente “conciliador”.

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