A justiça venezuelana proibiu o Parlamento, de maioria opositora, de realizar um julgamento sobre a responsabilidade do presidente Nicolás Maduro na crise do país, por considerar o processo ilegal.

A sentença foi proferida três dias depois de delegados do governo e da oposição acordarem em uma mesa de diálogo, auspiciada pelo Vaticano, trabalhar pela independência dos poderes públicos e resolver a situação de desacato em que o Parlamento se encontra por decisão do TJS.

A Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) “ordena às deputadas e aos deputados da Assembleia Nacional se absterem de continuar com o pretendido julgamento político”, destacou o órgão estatal na sentença publicada nesta terça-feira em sua página oficial.

A sentença lembrou, ainda, que o julgamento político não está contemplado na Constituição e que, de qualquer forma, as decisões do Legislativo são nulas, após ter sido declarado em desacato em agosto passado por dar posse a três deputados opositores, cuja eleição foi suspensa por acusações de fraude de parte do governo.

Momentos após o anúncio, Maduro comemorou.

“Excelente. O sistema constitucional e institucional da Venezuela está funcionando muito, muito, mas muito bem; funcionando de maneira fluida”, afirmou o chefe de Estado em seu novo programa musical de rádio, ‘A hora da salsa’.

A coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) rompeu com 17 anos de hegemonia chavista no Legislativo, quando assumiu o controle do Parlamento, em janeiro passado, após sua vitória nas eleições de dezembro de 2015. Desde então, quase todas as suas decisões foram anuladas pela Justiça.

De volta às ruas?

Manifestando-se sobre um recurso da Procuradoria, a Justiça proibiu também “convocar e realizar atos que alterem a ordem pública; instigações contra autoridades e poderes públicos, assim como outras atuações à margem dos direitos constitucionais e da ordem jurídica”.

No entanto, a reativação do conflito de poderes na Venezuela pode levar a um recrudescimento das tensões nas ruas.

Na segunda-feira, a oposição deu por concluída uma trégua concedida a Maduro no âmbito do diálogo para resolver a crise, e disse que retomará, em paralelo às negociações, a estratégia de pressão lançada contra o governo após a suspensão, em 20 de outubro, de um processo de referendo revogatório, com o qual tentava tirar Maduro do poder.

A MUD tomou esta decisão após uma chuva de críticas de seus integrantes por não conseguir um compromisso na mesa de negociações para reativar o referendo ou uma antecipação das eleições como saída para a crise.

A coalizão cancelou uma marcha até o Palácio presidencial de Miraflores, prevista para 3 de novembro – segundo informou, por solicitação da Santa Sé -, que acompanha o diálogo juntamente com a União de Nações Sul-americanas (Unasul).

Além da mobilização, os opositores adiaram um julgamento parlamentar para estabelecer a responsabilidade de Maduro na crise política e econômica que o país atravessa e declará-lo em “abandono do cargo”.

“No que isto contribui quando demos um passo atrás para diferir o ponto, diferir a marcha e dar uma oportunidade ao diálogo?”, protestou no Twitter o segundo vice-presidente da Assembleia, Simón Calzadilla.

“Absolutamente nula”

A oposição, que acusa o poder eleitoral e o TSJ de estarem a serviço do chavismo, considerou que a decisão judicial é inconstitucional.

É “absolutamente nula”, afirmou o presidente do Parlamento, o opositor Henry Ramos Allup, no Twitter.

A Sala Constitucional do TSJ “poderá dar instruções à sua gangue de lacaios, mas não à Assembleia Nacional, eleita pelo povo”, acrescentou com seu habitual tom incendiário.

Mas o TSJ ratificou que todas as ações do Legislativos são “nulas”, após tê-lo declarado em desacato em agosto passado por empossar três deputados opositores, cuja eleição foi suspensa por acusações de fraude do governo.

Na sessão legislativa desta terça-feira, os três parlamentares pediram para ser desincorporados, com a condição de que o caso se resolva com celeridade.

O conflito político entre o presidente e seus detratores se aprofundou em meio a graves dificuldades econômicas para a Venezuela, com uma severa escassez de alimentos e medicamentos e uma inflação que encerrará o ano em 475%, segundo o FMI, a mais alta do mundo.