Um vendedor de chá paquistanês com olhos sedutores viu sua vida mudar nesta semana quando seu retrato se espalhou pela internet, provocando calorosos debates sobre classe, coisificação e o lugar dos pachtuns (grupo etnolinguístico) na sociedade.

Arshad Khan, de 18 anos, não fazia ideia de que tinha sacudido a internet do Paquistão até a Índia e além: ele não tem telefone e não sabe ler.

“Foi uma verdadeira surpresa,” disse o jovem “chai wala”, ou vendedor de chá, à AFP.

“Eu estava ciente de que eu sou bonito, mas você não pode fazer nada quando você é pobre”, disse. A imagem “mudou a forma como eu penso”, acrescentou.

Na fotografia espontânea, feita por um fotógrafo de passagem e postada no Instagram, Khan prepara o chá leitoso onipresente no Paquistão, com seus olhos entre azuis e verdes olhando francamente para a câmera.

A imagem encantou os usuários das redes sociais e foi compartilhada milhares de vezes desde 14 de outubro.

Na terça-feira, o mercado de Islamabad, onde o fotógrafo Javeria Ali tirou a foto de Khan, foi cercado por dezenas de pessoas ansiosas para admirar o jovem trabalhador.

Mas em um país onde as mulheres há muito tempo lutam por direitos e raramente expressam seus sentimentos publicamente, aquele fervor logo se transformou em um intenso debate sobre o que significava reduzir um homem pobre a um objeto bonito.

“Estamos mais acostumados a ver isso acontecer com as mulheres, ainda é assustador quando acontece com um menino”, disse à AFP a colunista feminista Bina Shah.

“Só porque as pessoas estão entediadas não significa que você pode brincar com a vida de alguém”, acrescentou.

O fator repulsivo

A colunista Maria Amir concluiu que o “sexismo inverso não deixa de ser uma forma de sexismo” no site do jornal de língua inglesa mais vendido do Paquistão, Dawn.

Mas ela também ecoou a opinião de muitos ao observar que o verdadeiro “fator repulsivo” estava na classe social, e não no gênero.

“A elite ficar animada com um #ChaiWala atraente fede a privilégio de classe e a coisificação dos homens da classe trabalhadora”, tuitou @nidkirm, que se apresenta como um sociólogo de Lahore.

Em uma coluna no jornal Express Tribune, Farahnāz Zahidi zombou da “surpresa” com que alguém pobre possa ser bonito.

“A camada superior burguesa do Paquistão chegou a acreditar que até a aparência e os atributos que são presentes de Deus dependem do dinheiro e da abundância?”, escreveu.

Efetivamente, na primeira aparição de Khan na televisão, os espectadores riram do seu discurso desajeitado e do terno ocidental no qual ele parecia desconfortável.

“Nenhuma garota aceitaria se casar com ele”, escreveu a usuária do Twitter @ItsMahah.

Até a cor do olhar tranquilo de Khan provocou desconforto em alguns, como o colunista Amir, que escreveu que “aparentemente, não há data de validade na nossa bagagem colonial”.

Pele e olhos claros são atributos de muitos pachtuns, habitantes tribais do noroeste do Paquistão e do sul do Afeganistão, romantizados como guerreiros pelos britânicos.

Outros expressaram preocupação com o risco de explorar um jovem tão pouco preparado para o sucesso. Uma marca local foi rápida em publicar fotos de Khan, embora ele afirme que não assinou nenhum contrato de modelagem.

Khan, o terceiro de 17 filhos, nunca foi à escola. Ele disse que espera que sua nova fama lhe permita “ir para frente”.

O vendedor de vegetais Saeed Ahmed trabalhou no mercado ao lado de Khan. “Seus olhos eram tão bonitos que costumávamos tirar sarro dele e chamá-lo de ‘olhos de gato'”, disse à AFP.

“Mas nós nunca pensamos que um dia ele se tornaria famoso assim”, acrescentou.

Jornais indianos foram os primeiros a aproveitar essa “história de Cinderela”, trazendo frivolidade a tensões recentes entre os vizinhos rivais com tweets chamando Khan de uma “bomba nuclear”.

“Eu envio uma mensagem de paz aos meus fãs indianos”, disse Khan.