Novo discurso João Doria se colocou como um não político e apresentou um novo modelo de gestão durante a campanha
Novo discurso João Doria se colocou como um não político e apresentou um novo modelo de gestão durante a campanha

53,2% dos votos João Doria venceu em São Paulo com 3 milhões de votos

As contadas quatro horas diárias de sono do empresário João Doria (PSDB) se reduziram a três desde o domingo 2. Naquela noite, as urnas o sagraram prefeito de São Paulo. Foi o único a vencer a disputa no primeiro turno desde que a eleição na cidade passou a ter duas etapas. Derrotou com 53,29% dos votos o atual prefeito Fernando Haddad (PT), a senadora Marta Suplicy e os deputados Celso Russomanno (PRB) e Luiza Erundina (PSOL). Em sintonia com a insatisfação popular, Doria fez das extensas carreiras políticas dos adversários uma das principais armas de sua campanha. Arrebatou votos como uma novidade em meio a um ambiente carregado de sucessivos escândalos de corrupção, falsas promessas e aparelhamentos de máquinas públicas. Mostrou-se capaz de inovar na gestão do município mais populoso do Brasil, repetindo o êxito que obteve na iniciativa privada ao erguer seu próprio grupo de comunicação. Beneficiou-se ainda do crescimento do antipetismo, após as prisões de líderes do PT pela Operação Lava Jato e o traumático processo de impeachment de Dilma Rousseff. Com a vitória acachapante, Doria se tornou o protagonista de uma chamada onda azul tucana e se converteu no maior fenômeno das urnas nesta eleição. O PSDB deixou as urnas como a principal força política do País. Além de ampliar em 15,3% o número de prefeituras administradas, foi a sigla que amealhou a maior quantidade de municípios com mais de 200 mil habitantes. E pode ir além. Disputará, no segundo turno, o comando de outras 19 cidades de grande porte no dia 30 de outubro.

O protagonismo obtido pelo PSDB nas eleições municipais pavimenta uma futura candidatura do partido à presidência da República em 2018 independentemente do candidato escolhido. Prefeitos da sigla passarão a comandar no próximo ano, ao menos, 37,5 milhões de pessoas. Um número que pode superar a casa dos 50 milhões a depender do desempenho da legenda no segundo turno. Na prática, um a cada quatro brasileiros pode ter um tucano como administrador de sua cidade a partir de janeiro. A proximidade com a população faz dos prefeitos eficientes cabos eleitorais, o que coloca a legenda um passo na frente das demais na disputa ao Palácio do Planalto. Um fato comemorado pelas principais lideranças tucanas. Sem querer antecipar seus próximos voos, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, credita a vantagem obtida à renovação dos quadros da sigla. “Esta eleição teve uma mensagem importante: a de oxigenar a política, trazer novos valores para a discussão com a sociedade”, disse à ISTOÉ. Presidente nacional do PSDB, o senador Aécio Neves atribui parte do resultado ao declínio petista. “Os dois fatos mais extraordinários destas eleições foram o crescimento do PSDB e, por outro lado, a derrocada do PT. Parte desse desgaste que eles sofreram, nós acreditamos que temos crédito”, afirmou. “Nas grandes cidades, o PSDB já venceu em 14 e disputa o segundo turno em outras 19”, complementou.

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Surpresa em São Paulo

Nem projeções internas do PSDB apontavam um cenário tão alvissareiro para o partido. Liderada pelo governador Geraldo Alckmin, a sigla venceu 163 disputas em cidades do estado de São Paulo onde a eleição terminou no primeiro turno. Obteve praticamente o dobro das prefeituras conseguidas pelo PMDB e 20 vezes as conquistadas pelo PT. Entre os 28 municípios paulistas com mais de 200 mil habitantes, o desempenho tucano foi ainda melhor. Os postulantes do partido lideram a apuração em 14 deles. Em nove, como na capital com João Doria, elegeram-se com antecedência ao obter mais de 50% dos votos. Nos outros, despontam como francos favoritos no segundo turno. É o caso de Santo André. Lá, o candidato tucano Paulo Serra contrariou as pesquisas, que o colocavam em terceiro lugar, e terminou a apuração em primeiro. Agora, surge como um pule de dez para impedir a reeleição do petista Carlos Grana. Na vizinha São Bernardo do Campo, Orlando Morando desponta para assumir a cadeira de outro petista, Luiz Marinho. Ali a vitória tem um gosto especial para o PSDB por ser o berço político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Caso se concretizem, as duas conquistas terminarão de esfacelar o chamado cinturão vermelho. Trata-se de um conjunto de oito cidades da Região Metropolitana de São Paulo, onde o PT nasceu e veio crescendo eleição após eleição e nas quais desde 2008 se mantém no poder. Juntas, elas reúnem cerca de 3,5 milhões de eleitores e eram cruciais, nos planos petistas, para tentar encerrar a hegemonia de mais de 20 anos do PSDB à frente do governo estadual.

Nenhum partido cresceu tanto nas urnas, levou tantas capitais
e ainda deve conquistar mais espaço no 2º turno municipal

O PSDB deixou a eleição, no domingo 2, com o maior número de prefeitos eleitos em capitais. Foram dois. João Doria, em São Paulo, e Firmino Filho, reeleito em Teresina, Piauí. O partido possui ainda oito chances no segundo turno para superar as quatro vitórias de 2012. Em Porto Alegre, as urnas colocaram Nelson Marchezan Júnior (PSDB) na liderança do primeiro turno, com 29,84%, para surpresa dos institutos de pesquisa. O tucano agora irá enfrentar Sebastião Melo (PMDB) na esperança de ser o primeiro nome na história do partido a comandar a capital do Rio Grande do Sul. Sua vitória poderá ampliar o número de prefeituras do PSDB no estado. Neste pleito, a sigla passou de 18 para 26 cidades gaúchas sob seu comando.  Um aumento semelhante ao ocorrido em Santa Catarina, onde o PSDB obteve 38 vitórias contra 26 em 2012. No Paraná, administrado pelo governador Beto Richa, os tucanos perderam prefeituras. Mas conquistaram municípios mais populosos.

Com o apoio do senador Aécio Neves, o PSDB pode governar
Belo Horizonte depois de 28 anos com o ex-goleiro João Leite

Em Minas Gerais, o PSDB pode voltar a comandar a capital do estado depois de 28 anos. Apoiado pelo senador Aécio Neves, João Leite aparece em vantagem na corrida eleitoral contra Alexandre Kalil (PHS) em Belo Horizonte. Próximo dali, o candidato Alex de Freitas surpreendeu e disputará o segundo turno de Contagem contra o atual prefeito Carlin Moura (PCdoB). Os dois resultados podem ajudar a pôr fim a uma longeva dor de cabeça tucana. Segundo estado mais populoso do Brasil, Minas Gerais se tornou nas últimas eleições presidenciais uma espécie de “calcanhar de Aquiles” tucano. As urnas mineiras ajudaram a assegurar os 13 anos de PT no poder. No segundo turno de 2014, Dilma assegurou 52,4% dos votos. De lá para cá, o antipetismo ganhou força. O PT, mesmo com o domínio do governo estadual com a posse de Fernando Pimentel em 2015, caiu de 113 para 40 prefeituras administradas em quatro anos na esteira dos escândalos de corrupção. O próprio governador foi denunciado pelo Ministério Público Federal na Operação Acrônimo por receber propina de empresas. Caso o Superior Tribunal de Justiça aceite a acusação e o torne réu, o petista será automaticamente afastado do cargo.

Artur Virgilio lidera em Manaus

As campanhas do PSDB chegaram com força às capitais da região Norte. O partido disputará o segundo turno em três delas. Zenaldo Coutinho tentará um novo mandato contra Edmilson (PSOL) em Belém. O tucano tem a seu favor o apoio do governador do Pará e correligionário, Simão Jatene. Em Porto Velho, Rondônia, Dr. Hildon (PSDB) enfrentará Léo Moraes (PTB). Já Artur Virgílio Neto corre atrás de votos para assegurar a sua reeleição em Manaus. Concorre com Marcelo Ramos (PR). Seu êxito nas urnas representaria um avanço simbólico para o partido na próxima eleição presidencial. No segundo turno da última disputa ao Planalto, Dilma obteve 65% dos votos no Amazonas. Venceu o senador Aécio Neves nas 62 cidades do estado. E, para melhorar o cenário futuro, os integrantes da cúpula do PSDB esperam ainda que a onda azul tucana ajude a eleger um prefeito de capital na região Centro-Oeste. Atualmente, não possui nenhum. A tucana Rose Modesto enfrentará Marquinhos Trad (PSD) pelo comando de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e Wilson Santos concorrerá pela prefeitura de Cuiabá, Mato Grosso, com Emanuel Pinheiro (PMDB).

A vitória implacável de ACM Neto em Salvador fortalece o
projeto dos aliados na disputa pelo Palácio do Planalto

Desde a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, o PSDB e seus aliados sofriam para conquistar o eleitorado nordestino. A região foi determinante para as seguidas eleições petistas ao Palácio do Planalto. Mas, ao julgar pelas disputas municipais, o PT perdeu a primazia política no Nordeste. Além do já reeleito Firmino Filho em Teresina, os tucanos disputarão o segundo turno em outra capital. Atual prefeito de Maceió, Rui Palmeira é favorito na disputa com Cicero Almeida, do PMDB. Mas aquele que deve ser o principal cabo eleitoral nordestino do PSDB em 2018 integra outro partido. Em Salvador, o prefeito ACM Neto, do DEM, aplicou uma indiscutível derrota no grupo do governador petista Rui Costa. Garantiu a reeleição no primeiro turno com 73,99% dos votos contra 14,55% da segunda colocada, Alice Portugal (PC do B), e ajudou o seu partido a multiplicar de 8 para 34 o número de prefeitos eleitos pela legenda no estado. Da aprovação das gestões dele e de outros dependerá o futuro da onda azul.

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ENTREVISTA
João Doria Júnior

“HÁ UMA EXAUSTÃO DA VELHA E MÁ POLÍTICA”
Grande fenômeno eleitoral do primeiro turno das eleições municipais, João Doria (PSDB) recebeu ISTOÉ na quarta-feira 5. Na entrevista, falou sobre o desempenho nas urnas e os planos do PSDB para 2018.

Por Germano Oliveira e Pedro Marcondes de Moura

O senhor foi o primeiro candidato a vencer uma eleição na capital paulista no primeiro turno. Ao que atribui este resultado?

Há um conjunto de fatores que permitem explicar este desempenho histórico. Tem a força do PSDB no Estado, o apoio do governador Geraldo Alckmin e dos partidos que integraram a nossa coligação. Tivemos o maior tempo de rádio e televisão para mostrar as nossas propostas. E existe também um sentimento da população de cansaço com os políticos e um forte movimento anti-PT.

Até que ponto a prisão de dirigentes petistas evolvidos em corrupção contribuiu para este sentimento de rejeição ao PT?

Há dez anos, se você fizesse uma pesquisa de opinião pública, o tema combate à corrupção vinha lá embaixo na lista de prioridades da população. Hoje, aparece entre os três principais. Os brasileiros estão exaustos. Não querem ter o desprazer de passar por uma nova Operação Lava Jato ou um novo assalto aos cofres públicos como o que aconteceu na gestão do PT.

Por falar em Lava Jato, o senhor tem feito provocações ao presidente Lula sobre uma eventual prisão.

Respondo às estocadas dele. Espero apenas que a Justiça seja feita. Gosto muito de Curitiba, e ele estando lá farei uma visita
e levarei chocolates.

Na campanha, o senhor negava ser político. Acha que isto o beneficiou?

A sociedade vive uma exaustão da velha e má política. Está refratária a práticas, por exemplo, de quem já assume pensando no cargo seguinte ou na reeleição. Os eleitores deram um recado contra este modelo tanto nos votos que tivemos, quanto no aumento de abstenções e votos brancos e nulos.

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Em termos práticos, como manter a governabilidade sem reproduzir práticas da velha política?

Primeiro, não fazendo loteamento da gestão. Não vamos aceitar imposição de nomes para cargos. Sejam indicações de partidos ou da sociedade civil, as pessoas precisam, para ter um nome analisado, ter ficha limpa e as qualificações necessárias para ocupar os postos.

Com a vitória, o senhor se torna uma das principais lideranças tucanas. Como vê a disputa entre Alckmin, Aécio e Serra pela vaga de candidato à presidência pelo PSDB?

Defendo as prévias partidárias. É o processo mais democrático. Eu mesmo não estaria aqui sem elas. O Alckmin vai disputá-la.

Até pouco tempo a palavra privatização levou candidatos tucanos a perderem disputas. O senhor venceu com um plano que prevê arrecadar R$ 7 bilhões com este modelo. Acredita que mudou a aceitação da sociedade ao tema?

Sim, os modelos antigos demonstraram ser ruins e não geraram benefícios para população. Criaram um estado pesado e ineficiente, que possibilitou a corrupção. A população não quer isto. Mas eu quero ser um prefeito que compreenda a dimensão
da cidade e principalmente o cinturão de miséria.

A sua candidatura com estas plataformas mostra que o PSDB começa a se assumir como um partido com um pensamento liberal?

Se este discurso liberal não fosse bem recebido no PSDB, eu não teria considerado a indicação do partido. O resultado mostrou um realinhamento do partido.

Fotos: Lúcio Távora/AG. A tarde/Futura Press; Dudu Macedo /Fotoarena/Folhapress