“Meus primeiros livros não falam em Pernambuco. Eu publiquei um no Recife e o outro no Rio de Janeiro, mas eles não têm nada de cor local. Um dia, cheguei ao consulado (do Brasil em Barcelona) e estava consultando uma revista que havia aqui, O Observador Econômico e Financeiro, e descobri que a expectativa de vida na Índia era de 29 anos e no Recife, de 28 anos. Eu fiquei tão impressionado com isso que escrevi O Cão Sem Plumas, que é o meu primeiro livro sobre Pernambuco. Aí, Pernambuco não me largou mais…”

Esse depoimento de João Cabral de Melo Neto foi colhido por Bebeto Abrantes e Belisário Franca, diretores do documentário “Recife/Sevilha”, rodado no ano da morte do poeta, em 1999. Ali estão as últimas imagens do escritor e, mesmo 49 anos depois, o rio Capiberibe continuava definitivamente importando para ele. “O Cão Sem Plumas” foi escrito naquele período, na Espanha, e publicado no Brasil em 1950. Muitos dos versos têm os verbos no passado, como se o poeta se recordasse do rio, confirmando que, mesmo a distância, o Capiberibe estava presente.

“Aquele rio / está na memória / como um cão vivo / dentro de uma sala. / Como um cão vivo / dentro de um bolso. / Como um cão vivo / debaixo dos lençóis, / debaixo da camisa, / da pele”, escreveu o poeta. Autor de uma escrita marcada pelo estilo seco, cortante, uma visão materialista da escrita, além de um desprezo ao enfeite e à beleza fácil, João Cabral era um arquiteto da poesia – cada verso era cuidadosamente pensado, a fim de dar forma a uma estrutura consistente do poema. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.