Crimes, mortes e medo marcaram os meses de maio de 2006 e janeiro de 2017. As datas são lembradas pela ação sangrenta de diferentes facções criminosas. Há onze anos, São Paulo vivia uma onda de pânico, com serviços de transporte interrompidos, ônibus incendiados, aulas suspensas, comércio e bancos fechados. O maior grupo de crime organizado do País, o Primeiro Comando da Capital, executou ataques violentos em resposta à decisão policial de transferir seus líderes da cadeia de Avaré (SP) para um presídio de segurança máxima em Presidente Venceslau, também no interior do estado. Foram 564 mortos, entre agentes de segurança pública e civis. Já nas primeiras semanas deste ano, um conflito entre membros do PCC e da rival Família do Norte (FDN) deixou 60 mortos em Manaus, no Amazonas, e foi o estopim para decapitações e fugas em presídios de Roraima, Rio Grande do Norte e até em São Paulo. Os dois momentos explicitam a fragilidade do sistema de segurança pública e prisional do País. Os conflitos de hoje, porém, ainda restritos aos presídios, suscitam a dúvida: essa guerra conseguirá extrapolar os muros e chegar às ruas, como ocorreu em 2006?

Trilogia do crime

Para responder a essa questão, é importante retomar a história do PCC, que tem três períodos distintos. Desde o seu surgimento, em 1993, até 2001, os governos de São Paulo insistiam em negar a existência do grupo. Nesse ano, a facção desafiou o governo e organizou uma mega rebelião em 29 presídios, em represália à transferência de líderes para outras unidades. “Depois disso, todas as cadeias ficaram sob domínio do PCC, foi uma fase de solidificação do grupo nas sombras”, diz Bruno Shimizu, defensor público do Estado de São Paulo. A partir desse momento, uma série de motins marcou uma atuação ostensiva. “A decapitação se torna uma forma de morte comum e simbólica para mostrar a truculência.” Os ataques de 2006 vieram, então, para comprovar a hegemonia dos criminosos no estado. No dia 11 de maio, o governo anunciou ter descoberto um plano de rebeliões para os dias subsequentes, quando começaram os confrontos e mortes em presídios e ruas. Como os ataques cessaram de forma espontânea, especialistas acreditam em um possível acordo entre membros da facção e autoridades de segurança. “Deu-se o início da terceira fase, em que o PCC passa a ser um ator oficial da política prisional do estado”, diz Shimizu.
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Desde então, começou uma espécie de gestão compartilhada entre órgãos públicos e PCC para administrar os presídios em São Paulo. Fortalecido e com o apoio de facções menores, o exército de Marcola ganhou territórios de outros estados e até internacionais. A facção começou a pacificar cadeias, periferias e proibiu a entrada do crack nas detenções. Mas a ruptura com o Comando Vermelho, que ocorreu em junho do ano passado, com a morte do traficante Jorge Rafaat Toumani, foi um dos motivos para o início da instabilidade. Até então, acreditava-se que as chances de os conflitos chegarem às ruas era muito maior nos estados em que o PCC não tinha a hegemonia das cadeias. Ao contrário disso, na terça-feira 24, uma fuga de 152 detentos ocorreu no Centro de Progressão Penitenciária (CPP3) de Bauru, no interior paulista. Os pavilhões ficaram danificados depois que os presos atearam fogo em colchões, móveis e oficinas de trabalho. Segundo informações, essa rebelião teria sido um ato à parte do comando do PCC. Membros da cúpula não teriam dado ordens para que o motim ocorresse.

CAOS Na terça-feira 24, 152 detentos em regime semi-aberto e ligados ao PCC fogem do presídio de Bauru (SP)
CAOS Na terça-feira 24, 152 detentos em regime semi-aberto e ligados ao PCC fogem do presídio de Bauru (SP)

Novo racha

Esse fato, junto com o aprisionamento em massa promovido pela lei de drogas de 2006, que colocou na cadeia um grande número de pequenos traficantes, também usuários de crack, mostra que as regras do PCC não vem sendo tão rigidamente seguidas. “A população de nóias está crescendo no sistema prisional e ela está deixando de seguir a disciplina imposta pelo PCC. Isso está se tornando um problema”, afirma Shimizu. “Cria-se uma oposição à facção, fortalece a ideia de que as cadeias estão desgovernadas e oferece possibilidades de um novo racha.” O risco desse conflito chegar às ruas existe, porém num contexto diferente de onze anos atrás. “Não é mais interessante ao PCC fazer um ato como em 2006. Eles não tinham o tamanho nem a estrutura que possuem hoje”, diz Márcio Sérgio Christiano, procurador de Justiça. Uma ação naquelas proporções deixou um prejuízo ao grupo em dinheiro, armamentos e pessoas. Nos últimos anos, com a sofisticação da organização, mudanças ocorreram. A comunicação ficou mais compartimentada – de forma a não expor as lideranças – e a arrecadação chegou à faixa de R$ 300 mil ao ano. Mas, mesmo com tanto poderio, as condições para os crimes não mudaram. Agora, com um agravante: o crescimento da oposição ao PCC nas cadeias do País e o barril de pólvora instaurado nos presídios.

A história do PCC

Como a facção nasceu, estendeu sua atuação por todo o Brasil e se tornou um dos maiores grupos de crime organizado do mundo

1993 – É fundada em 31 de agosto por oito detentos no Anexo da Casa de Custódia de Taubaté (SP)

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1998 – Começa a expansão da organização criminosa, com a transferência dos líderes José Márcio Felício, o Geleião, e César Augusto Roris da Silva, o Cesinha, para presídios do Paraná

2002 – Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, assume a coordenação

2006 – Na noite de 12 de maio de 2006, uma onda de atentados começa em São Paulo. No dia 14, o ataque se espalha por Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Bahia

2016 – Na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista (RR), uma rebelião coloca fim na parceria entre CV e PCC

2017 – PCC e o CV iniciam uma disputa pela rota do tráfico no Norte, gerando mortes e conflitos em presídios do Amazonas


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