Antes que me acusem de escrever em nome do político A ou da legenda B: este texto não tem inclinação partidária e não há, por trás dele, intenção ou interesses ocultos. Nestes tempos tão conflagrados, é bom avisar, não é?

Dito isso, eu queria acrescentar o seguinte: onde as pessoas estão com a cabeça para insultar, fustigar, açoitar, atormentar, azucrinar, destratar, afrontar, importunar, molestar e fazer o diabo com os que pensam de modo diferente?

Na semana passada, a jornalista Miriam Leitão, do grupo Globo, foi alvo da fúria de delegados do PT em um voo comercial. “Sofri um ataque de violência verbal. Fui ameaçada, tive meu nome achincalhado e fui acusada de ter defendido posições que não defendo.”

Acusada de defender posições? Hum, isso é bem sério. Delito de opinião, talvez você não tenha refletido a respeito, é um crime que não existe, desde que não haja ofensa a quem quer que seja. Caramba, as pessoas podem ter ideias opostas às suas, achar que azul é bonito e vermelho é feio, ou exatamente o contrário, e isso não dá a ninguém o direito de importunar o outro (calma aí, hater, não precisa avacalhar o autor deste texto).

Chegamos a uma situação tão absurda que vi amigos escreverem no Facebook que Miriam exagerou. “Ela disse que foi xingada durante todo o voo, mas foram só uns gritos que duraram menos de 5 minutos”, alguém disse. E daí? Isso não muda a situação. Quer dizer que agora vamos instituir uma tabela de ofensas em que agredir por um determinado período de tempo está liberado? Não importa se foram 30 segundos ou duas horas. Ninguém pode atacar outra pessoa, por mais que considere suas convicções excêntricas. Detalhe: a nota oficial do PT, que lamenta o episódio, atribui o “clima de ódio” à Rede Globo. Em vez de aquietar os exaltados, o texto incita a conflagração.

Você acha que só um lado faz coisas estúpidas? Não há santos nessa história. Há um ano e meio, Chico Buarque foi xingado por antipetistas em uma rua do Leblon, no Rio. O crime de Chico? Ser simpatizante do PT. “Você é um merda”, gritaram para o autor de “Cálice.” Há dois anos, Guido Mantega, o ex-ministro da Fazenda dos governos petistas, foi hostilizado em um restaurante de São Paulo. Guido, como se sabe, está enrolado com a Justiça, mas isso não confere a você a liberdade para atacá-lo. Não pode fazer isso. Repito: não pode. Entendeu, hater?

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O Brasil vive tempos sinistros. Na semana passada, ouvi vozes em defesa da tortura (sim, elas estavam lá, bem audíveis nas redes sociais). Um garoto acusado de roubar uma bicicleta foi capturado por justiceiros, que tatuaram na testa dele a frase “eu sou ladrão e vacilão.” Que tipo de gente é capaz de celebrar um crime vil como gravar mensagens na pele de alguém? Os nazistas marcavam no braço dos prisioneiros de Auschwitz um número de série, como se fossem coisas e não pessoas. Agora fazemos isso no Brasil.

Por mais que você diga que insultar pessoas em um voo é bem diferente de praticar tortura com agulhas de tatuagem, desconfio que há conexão entre os fatos. Eles são fruto da crescente intolerância. Daqui a pouco lincharemos nossos inimigos nas ruas e iremos nos vangloriar disso na internet. Na Inquisição, os tribunais da Igreja Católica perseguiam, julgavam e puniam hereges. Com o tempo, a lista de perseguidos foi ampliada para incluir iluministas, homossexuais e bígamos. No Brasil de agora, acossamos todos os que têm opiniões diferentes das nossas ou que parecem ser diferentes de nós. Somos os novos inquisidores sedentos por sangue e tragédia.


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