Os existencialistas lançaram a moda filosófica mais charmosa do século 20. Suas ideias sobre sexo e liberdade agora poderiam convertê-los em influenciadores digitais. Assim argumenta a escritora inglesa Sarah Bakewell no livro “No Café Existencialista” (Objetiva). “As ideias desses pensadores decifram nossas inquietações atuais em torno da vigilância pela internet, da ameaça à privacidade e dos relacionamentos pelas redes sociais”, afirma Bakewell. “Eles defenderam um modo de vida avesso ao atual, pois ele se baseava na ação livre, na valorização da individualidade nos contatos espontâneos, em carne e osso.” Não há estilo mais oposto do que o da atual era digital. Mesmo assim, é preciso saber como as ideias capitaneadas pelo casal francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) e Simone de Beauvoir (1908-1986) são aplicáveis ao mundo de hoje, tão distinto daquele do Pós-Guerra, quando a onda existencial mergulhou os cafés parisienses numa espécie delírio libertário. Hoje a política e o feminismo ficaram mais pragmáticos e surgiram as questões ambientais, de imigração e gênero. “Não se trata de voltar no tempo, mas de repensar o legado”, diz. Para ela, a aventura existencialista ajuda a compreender a atualidade como nenhuma tendência filosófica recente.

Engajamento

“Se Sartre estivesse vivo, ele viraria black bloc”, diz. “Assim como discursou em bares e barricadas, iria se envolver e promover com protestos mundiais de indignados. Como youtuber, lutaria pelos transgêneros”. Só teria de revisar as falhas que cometeu, como defender o stalinismo e o terrorismo. “Sua visão anarquista combina com inquietações do século 21”.

A edição traz um subtítulo enganoso: “O retrato da época em que a filosofia, a sensualidade e a rebeldia andavam juntas”. Seus 14 capítulos tratam mais que de história cultural. Traçam a origem, o auge e a repercussão de uma corrente de que uniu fontes diversas. O café de Bakewell é peculiar: “É um café mental composto de pensamentos e de pessoas de tempos e locais diferentes”.

“Se Sartre estivesse vivo, ele viraria Black Bloc” Sarah Bakewell, escritora (Crédito:Awakening)
PANORAMA A inglesa Sarah Bakewell, autora do livro “No Café Existencialista”

A obra percorre a formação de Sartre. Ele criou um sistema a partir da fenomenologia, método criado pelo alemão Edmund Husserl, que encarava o ato como um de processo entre o sujeito e o instante, sem interferência externa. Sartre misturou-o às lições de Heidegger, aluno de Husserl que dizia que o homem só existe no tempo — o conceito de Dasein, “ser aí”.

A autora se ocupa em diferenciar as concepções de Sartre e Simone. Ela se baseou menos na fenomenologia que na dialética senhor-escravo de Hegel para formular uma teoria da condição feminina. Entre um debate febril e outro, não poderiam faltar as festas movidas a amor livre, haxixe e jazz nos cafés de Paris. Ali ocorreram trocas de ideias e de casais que renderam inimizades eternas. Merleau-Ponty e Camus questionaram a crença do casal, de que a vida só teria sentido na luta política.

Além do núcleo da Rive Gauche, Bakewell cita escritores britânicos que não conviveram com o casal, mas foram afetados por ele, como o poeta Colin Wilson e a romancista Iris Murdoch. São trajetórias que mostram que o existencialismo teve impacto global porque ressuscitou a vida boêmia, bem mais que animou a pesquisa acadêmica. “O café existencialista não tem paredes, ele estendeu suas mesas pelo mundo”, diz Bakewell. Ela convida o leitor a frequentá-lo agora mesmo.

O círculo rebelde
Pensadores que defenderam o direito a viver com liberdade