Alguns americanos a adoram e outros a detestam. A reforma de saúde para pessoas de baixa renda apelidada “Obamacare”, aprovada em 2010, divide profundamente os Estados Unidos.

Para entender melhor esta diferença, apresentam-se a seguir as experiências comparadas de dois americanos sobre o “Affordable Care Act” (ACA).

“Maximizar” os benefícios

“Amo o meu seguro”, diz Johann Ali, um consultor ambiental de 40 anos que trabalha por conta própria.

Ali menciona seu filho Kyle, de 19 anos, que trabalha meio período e conseguiu um bom seguro médico por apenas 99 dólares por mês. Seu salário é de cerca de 16.000 dólares por ano, de modo que, graças ao Obamacare, obteve um desconto federal que reduziu o preço original da mensalidade, de 199 dólares.

Ali comprou para ele uma apólice individual por 233 dólares mensais, nada comparado aos 900 dólares que tinha que pagar antes da aprovação do Obamacare.

Já não tem de pagar nada extra por seus cuidados preventivos, como seus check-ups anuais. Acabaram as taxas de coparticipação, assim como as recusas ocasionais de cobertura quando a seguradora acha que certos exames não valem a pena, diz.

Além disso, Ali se beneficia de uma cláusula que proíbe discriminar as pessoas com base em doenças pré-existentes. Ele precisa de uma medicação para tratar uma condição similar à asma, que antes aumentava seus pagamentos de 10% a 15% por ano.

Mas o plano de Ali tem uma desvantagem: a franquia é alta, o que significa que em alguns casos ele precisaria pagar cerca de 5.000 dólares do próprio bolso antes de ter direito a algum reembolso da seguradora.

Instruído por um amigo que é agente de seguros, Ali adquiriu uma apólice adicional por 150 dólares ao ano que o isenta desta taxa em caso de acidentes.

“Os seguros são concebidos neste país para te confundir. É assim que eles te mantém no escuro para que você não possa maximizar seus benefícios”, afirma.

“Ninguém o aceita”

Todd Ulmen, de 50 anos, é proprietário de uma loja de roupas em Miami. Como empregador, deve fornecer seguro de saúde para os seus funcionários que trabalham em período completo. Seus assalariados de meio período tem de trabalhar menos de 25 horas, caso contrário teriam que receber o seguro também.

“Se você tivesse que fornecer seguro para todos, você não poderia estar no negócio”, diz.

Um ano depois da reforma de saúde, sua seguradora informou-lhe que a sua apólice, de 400 dólares por mês, já não estava disponível.

Ulmen pediu, então, que o incluíssem na melhor apólice possível. “E não me disseram que estavam me colocando no programa Obamacare”, conta.

Ele se surpreendeu quando foi fazer um check-up e lhe disseram que não aceitavam o Obamacare. Depois, precisou ir a um oftalmologista e a um cardiologista, e encontrou o mesmo problema.

“Não há nenhum especialista em Miami que aceite esse seguro”, diz.

Finalmente, decidiu comprar um plano privado de 600 dólares por mês em uma grande seguradora.

“Digo às pessoas que se elas têm Obamacare, devem ir diretamente para a emergência, porque é a única maneira de receberem um atendimento decente”, afirma.

“O seguro é bom, mas se você não encontra ninguém que o aceite, não adianta nada”.

Especialista explica

“As pessoas estão descobrindo que seus médicos estão saindo dos seus planos”, diz Steven Ullmann, especialista em políticas de saúde pública da Universidade de Miami.

“As companhias de seguro estão migrando para redes muito estreitas onde há apenas uma seleção de alguns poucos médicos de cada especialidade e poucos hospitais. Esta é uma grande tendência”, afirma.

O preço do seguro de saúde está aumentando, em parte, porque muitos jovens saudáveis ainda não se associaram, por isso o risco geral para as seguradoras não diminuiu o suficiente, explica.

Um adicional de 20 milhões de pessoas se tornaram asseguradas desde a aprovação do Obamacare, mas “tendem a ser pessoas com mais de 35 ou de 45 anos anos, mais propensas a doenças”, diz o especialista.

Cerca de outras 20 milhões de pessoas “estão sem seguro e estes são principalmente os ‘jovens invencíveis’ nos seus 20 anos e no início dos 30”, acrescenta.

Finalmente, há “a brecha”.

O filho de Ali, Kyle, a evitou, porque ganha justo o suficiente acima da linha de pobreza para ser elegível para um subsídio federal.

Muitos ganham demais para se qualificar para o Medicaid – um plano que assegura os mais pobres -, mas não o suficiente para obter um desconto fornecido pelo governo.

Inicialmente, o Obamacare tentou expandir o Medicaid em 133% na faixa de pobreza, mas a proposta foi rejeitada pelo Supremo Tribunal.

Cerca da metade dos estados optaram por não expandir o Medicaid, incluindo a Flórida.

Isso significa que as pessoas que ganham menos que Kyle, ou seja, entre 11.800 e 15.800 dólares por ano, “ficam em um vácuo”, explica Ullmann.

“Não têm acesso a nenhum seguro, a não ser que paguem uma apólice completa, privada e muito cara. Então eles continuam sem seguro médico”, acrescenta.