Indígenas de todo o país se reunirão nesta terça-feira, em Brasília, à espera de um veredito do Supremo Tribunal Federal (STF) que poderá mudar as regras sobre o reconhecimento de suas terras ancestrais e reduzir seus direitos ante os produtores rurais.

Ao menos 2.000 líderes de etnias de todo o país viajarão de seus estados até a capital, onde realizarão vigílias e protestos na frente dos organismos públicos encarregados de reconhecer seus territórios, em disputa permanente com o agronegócio.

O STF decidirá na quarta-feira sobre três litígios específicos, mas espera-se que os juízes resolvam questões cruciais que podem afetar todos os casos relacionados com terras indígenas que ainda não foram solucionados.

Um ponto-chave é a chamada “tese do marco temporal”: um critério jurídico segundo o qual só quem pode reivindicar suas terras ancestrais – um direito garantido pela Constituição de 1988 – são aqueles indígenas que estavam ocupando suas terras no momento da promulgação da Carta Magna, ou que podem provar que tinham sido expulsos de lá à força.

Isto é uma interpretação “muito grave e limitante de direitos, porque não considera uma série de variáveis. Alguns (indígenas) não estavam em suas terras porque têm tradição nômade, ou porque foram expulsos como política do governo militar” antes de 1988, afirma Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).

Essa interpretação, defendida pelo agronegócio, foi respaldada pelo STF em 2009, quando este julgou outro caso específico sobre uma área indígena no estado de Roraima, mas aquela decisão não teve efeito vinculativo para outros processos.

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No entanto, organizações não governamentais denunciam que alguns pontos daquela decisão vêm sendo usados por juízes de primeira instância – e pelo próprio STF – para adotar medidas em favor dos produtores rurais.

– Violência agravada –

Segundo o último censo, de 2010, no Brasil viviam 896.900 indígenas pertencentes a 305 etnias, que representam 0,4% dos 202 milhões de habitantes.

Suas áreas ocupam 12% do território e a grande maioria está na Amazônia, considerada a maior joia natural do planeta e uma reserva de biodiversidade.

A confirmação do “marco temporal” significaria um grande retrocesso na luta pelos direitos das comunidades indígenas, afirmam diversas ONGs, que denunciam ameaças crescentes nos últimos anos.

“Estamos vivendo um agravamento da violência no campo. Hoje há uma política muito mais insidiosa em relação aos direitos indígenas, principalmente com o fortalecimento da bancada ruralista no Congresso Nacional”, aponta Batista.

O governo também foi criticado por algumas decisões em relação aos indígenas. Em julho, o presidente Michel Temer ordenou que todos os órgãos do Executivo que participam na demarcação de terras se ajustassem aos critérios de 2009, que além de estipular esse “marco temporal”, estabelecem limites como a impossibilidade de ampliar terras indígenas já delimitadas.

A Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão do Executivo responsável pela demarcação de terras, não soube informar quantos processos foram afetados por esta decisão.

O ISA estima que a medida só tem impacto nos 114 processos de demarcação que ainda estão em fase de estudo.

Espera-se que nesta quarta-feira o STF também analise ações judiciais importantes para o futuro de comunidades quilombolas, assim como de áreas de proteção ambiental.


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