Imagine a revolta, a dor, o murro no estômago de um brasileiro desempregado, apenas de um entre os treze milhões de brasileiros desempregados, apenas de um entre todos os brasileiros que ainda temem ficar desempregados, olhando as imagens das caixas e malas com a dinheirama do senhor Geddel Vieira Lima, toda ela “mocosada”, como diz a bandidagem, em um apartamento na cidade de Salvador. É um acinte. É inacreditável. É obsceno. É a dignidade do Brasil jogada no bueiro. E existe acinte maior ainda, que é o fato de o senhor Geddel Vieira Lima estar curtindo, pelo menos até a tarde da quarta-feira 6, uma tranquila prisão domiciliar. Em se confirmando por meio das investigações da Polícia Federal e do Ministério Público que de fato ele é o dono da grana (dúvida não há, mas para a Justiça, acertadamente, é necessário prova), o seu lugar para morar chama-se cela de cadeia de segurança máxima. Vamos ao valor? Vamos ao cenário? Tudo se assemelha às cenas de filmes de roubo a banco: um apartamento, oito malas e seis caixas abarrotadas de dinheiro, e o maior valor em espécie já apreendido na história do Brasil – cerca de R$ 51 milhões, distribuídos em R$ 42.643.500,00 mais US$ 2.688.000,00. A Polícia Federal, assim que detonou o “cativeiro” desse dinheiro, necessitou de sete máquinas de contagem de notas e, mesmo munida delas, gastou aproximadamente quinze horas na contabilização das cédulas. A origem da “bufunfa” seria herança ou “coisas do papai”, a se depreender do que foi dito à PF pelo empresário Sílvio Antônio Cabral da Silveira. Contou ele que emprestara o seu apartamento da rua Barão de Loreto, numa nobre área de Salvador, ao “seu conhecido” Geddel, porque ele, Geddel, lhe dissera que precisava “guardar pertences do pai”, já falecido. Silveira assegurou ainda que não sabia que o local estava sendo utilizado para esconder todo esse dinheiro.

OPERAÇÃO O dinheiro de Geddel encontrado num apartamento em Salvador: 15 horas para ser contado por sete máquinas (Crédito:Divulgação)

Uma pergunta óbvia, que enoja todo cidadão portador de um mínimo de moral e ética – menos ainda, portador de um único fio de vergonha na cara: de onde vieram esses R$ 51 milhões? PF e MP têm o dever de dar uma resposta rápida e certa, mas o raciocínio lógico diz que é propina — assim como as caixas e malas, que o escondiam, indicam que é propina; assim como o fato de alguém camuflar tal fortuna aponta que ela nasceu, cresceu e se fez gorda na propina. Mais do que isso: já identificaram algumas digitais de Geddel no apartamento. É só dinheiro sujo que se esconde, dinheiro limpo e ganho no trabalho circula à luz do dia. E qual a “casa da moeda” que produziu as notas da gatunagem? O senhor Geddel Vieira Lima foi vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal, entre 2011 e 2013, e não são de hoje as acusações de que em seu tempo se plantaram e se colheram maracutaias. Esse é o entendimento do juiz Vallisney de Souza Oliveira, de Brasília, para quem existem provas de crimes relacionados à manipulação de crédito e recursos. Foi o magistrado Vallisney que ordenou a invasão do apartamento, e vem dele a nossa fé: não é possível que o dono do “ervanário” não vá logo para a cadeia.

GEDDEL SUPERA AL CAPONE

As investigações começaram no dia 14 de julho, quando o Núcleo de Inteligência da Polícia Federal foi avisado de que um apartamento do segundo andar do edifício José da Silva Azi estava servindo de “aparelho” para uma pessoa guardar pertences da família – é a história na qual o nome do pai morto foi usado, sem o menor repeito à sua memória, pelo filho vivo, e muito vivo. Tal apartamento, de número 201, está registrado como sendo do empresário Sílvio, que por enquanto se exime dos rótulos de cúmplice e de laranja. Ocorre, no entanto, que também ele já está bem enrolado na Justiça, respondendo a processo por corrupção e sob a acusação de ter desviado R$ 620 milhões da Empresa Baiana de Alimentos. A menos de um quilômetro do apê da grana mora Geddel, um preso domiciliar sem tornozeleira porque esse instrumento, estranhamente, está cada vez mais raro no Brasil quando se trata de criminosos, digamos, do andar de cima – para preso rastaquera, se alguém mandar, tem até coleira. O senhor Geddel está supostamente recluso em casa porque atuou juntamente com Eduardo Cunha, trancafiado já em Curitiba, na liberação de nada menos R$ 1,2 bilhão em empréstimos para empresas em troca de propinas. Geddel também é acusado de obstrução de Justiça para evitar que Cunha, o ex-parceiro de quadrilha, fechasse acordo de delação premiada. Foi mais longe para tentar fechar a boca do megadoleiro Lúcio Funaro, que confessou a entrega de malas para Geddel no aeroporto de Salvador.

Entre 2011 e 2013, Geddel foi vice-presidente da CEF. A polícia suspeita que o cargo foi usado para justificar a dinheirama

De volta ao dinheiro, é mesmo inacreditável! Com Geddel, como dito acima, o Brasil tem agora a sua maior apreensão de dinheiro roubado. Os seus R$ 51 milhões deixam comendo poeira os R$ 12,8 milhões da máfia de auditores da Receita Federal que já estiveram no topo da rapinagem em 2011. Deixam também em segundo plano os R$ 2,1 milhões do megatraficante Juan Carlos Abadia, preso em 2007. Geddel é profissonal. No ranking mundial de dinheiro apreendido pela polícia, ele situa-se agora na sétima posição, e lembre-se, leitor, que o mundo já teve, por exemlo, tipos como Alphonsus Capone, Pablo Escobar, Ronald Biggs. Geddel é “profissa”, deixou até o meganarcotráfico envergonhado. Mas ele se esforçou, fez carreira no crime, a sua “capivara” vem desde a juventude. Para ficarmos somente em dois casos, foi acusado de desviar dinheiro do Banco do Estado da Bahia, coisa grande, assim como grande foi o escândalo conhecido como “Anões do “Orçamento”, no qual Geddel liberava emendas parlamentares em troca de propina de empreiteira. Para se ter uma ideia do predador social que ele é, com os seus R$ 51 milhões (84 vezes o valor do apartamento que o ocultava) pagam-se 54 mil salários mínimos e executam-se 500 operações de fígado. Na caderneta de poupança (o mais conservador dos investimentos), esse “crime das malas” renderia mensalmente cerca de R$ 255 mil. Se comparada com a bagagem do senhor Geddel, a mala de rodinhas de Rocha Loures virou pochete. Talvez isso anime a 3ª Turma do TRF de Brasília, que o mandou para casa sem tornozeleira, a trancá-lo na prisão. E, falando de novo em tornozeleira de preso, com os R$ 51 milhões compram-se 170 mil peças – uma delas, urgente, Geddel pode dar de presente a si próprio. Os brasileiros que suam no trabalho e são honestos agradecem.

Divulgação

R$ 51 milhões ou…

– 54 mil vezes o valor do salário mínimo;
– 170 mil tornozeleiras eletrônicas  poderiam ser compradas
– 22.174 professores de escolas  públicas receberiam salário
– R$ 255 mil é o rendimento mensal  na poupança- 618 ambulâncias seriam compradas  pelo SUS

O que pesa contra Geddel

• Em 1984, aos 25 anos, foi acusado de desviar milhões do Banco do Estado da Bahia para beneficiar a família

• Em 1994, já deputado federal, foi associado ao escândalo dos “Anões do Orçamento”, quando seu nome apareceu em um papel encontrado na casa de um diretor da Odebrecht com a mensagem “4%”

• Entre 2011 e 2013, como vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal, e mesmo após deixar o cargo, continuou a fazer negociações ilícitas prejudicando a instituição financeira

• Em julho de 2017, esteve preso preventivamente por decisão do juiz Vallisney de Souza Oliveira por tentar impedir que o doleiro Lúcio Furnaro fizesse delação

• Em depoimento, Funaro afirmou que Geddel teria recebido cerca de
R$ 20 milhões a título de propina pela atuação em esquema ilícito

• Funaro também revelou que fez diversas viagens para entregar malas de dinheiro para Geddel, na sala vip do aeroporto de Salvador

QUADRILHA Geddel tentou impedir que Lúcio Funaro (à esq., no banco detrás) o denunciasse. O doleiro confessou que lhe entregava malas com dinheiro (Crédito:Divulgação)