Observando de fora, parece absurdo os Estados Unidos terem chegado às vésperas da eleição para o 45º presidente (ou primeira presidente) do país com dois candidatos tão pouco inspiradores. Depois de um enorme tombo em 2008, quando a crise financeira empurrou os americanos – e boa parte do mundo junto – para a pior recessão desde os anos 30, a economia voltou a crescer. Entre julho e setembro, o Produto Interno Bruto avançou 2,9%, na taxa anualizada, o maior ritmo em dois anos. O nível de desemprego está em 5% (menos da metade do brasileiro) e o presidente Barack Obama, vencedor do Nobel da Paz no primeiro ano de governo, desfruta de boa reputação internacional. Os americanos, contudo, irão às urnas na terça-feira 8 contaminados pelo sentimento de que o país poderia estar melhor. Muitos votarão mais para evitar que Donald Trump, o candidato republicano machista, xenófobo e autoritário, ou Hillary Clinton, a democrata envolta em desconfiança e escândalos de diversas naturezas, se elejam do que com o entusiasmo de quem acredita em seus projetos de poder.

Os dois candidatos estão praticamente empatados, com ligeira vantagem da democrata nos Estados-pêndulo, aqueles que de fato decidem a eleição. Na sondagem de CBS News/New York Times publicada na quinta-feira 3, Hillary liderava nacionalmente com 45% das intenções de voto e Trump estava com 42%. Cinco dias antes, uma pesquisa de Los Angeles Times/USC Tracking mostrava o empresário na frente com 48% e a ex-Secretária de Estado com 43%. Embora parte significativa do eleitorado não queira votar nem em um nem no outro, os dois representam ideias antagônicas na maioria dos temas. Nessas eleições, estão em jogo não só o debate sobre a continuidade do legado de Obama, mas também o futuro das políticas climáticas globais (sobretudo, o comprometimento dos EUA com o Acordo de Paris, assinado no ano passado), o tratado nuclear com o Irã, a política de acolhimento a refugiados, o livre-comércio, a relação com a Rússia e a China, a Guerra da Síria e o Estado Islâmico, além de outros assuntos espinhosos.

Os americanos, no entanto, parecem se preocupar mais com o processo de desindustrialização que tem afetado o país. “O governo representa o 1% mais rico, não a classe média que viu seus empregos se mudarem para corporações na China e na Índia”, afirma o escritor e comentarista político Paul Craig Roberts. Essa mesma parcela da população ainda tem uma visão negativa da economia porque não se qualifica para os programas assistenciais do governo, mas teve que gastar todas as economias durante a crise financeira e se sente sobrecarregada por iniciativas como o Obamacare, que recentemente teve um reajuste médio de 22%. Do lado dos analistas, um viés pessimista da economia considera pontual a recuperação do terceiro trimestre, puxada pelas exportações de soja, e vê com preocupação a evolução do consumo das famílias, que cresceu menos que no trimestre anterior. Não por acaso, mais de 60% das pessoas acham que o país está na direção errada.

A economia tem crescido a um ritmo de 2,9% ao ano, mas a maioria
dos americanos pensa que o país está indo na direção errada

“Os americanos brancos estão infelizes, porque se sentem ameaçados pela mobilidade descendente, o esvaziamento dos postos de trabalho manuais e a concorrência com as minorias”, disse à ISTOÉ Carol Graham, analista do Instituto Brookings e professora da Universidade de Maryland. De acordo com ela, a taxa de mortalidade entre os brancos de meia-idade e baixa escolaridade tem subido devido a mortes evitáveis, como o suicídio e o envenenamento por opiáceos (drogas como a heroína e remédios a base de morfina). “Acho que essas tendências e a profundidade do desespero criaram um terreno fértil para toda a mensagem de raiva, anti-sistema e ‘vamos voltar ao passado’ de Trump.” Na mesma pesquisa, Carol descobriu que os negros e latinos notaram uma melhora nos níveis de saúde e bem-estar nas últimas décadas e são muito mais otimistas em relação ao futuro do que os brancos.

INFLUÊNCIA: James Comey, diretor do FBI, reabriu investigação contra Hillary
INFLUÊNCIA: James Comey, diretor do FBI, reabriu investigação contra Hillary

POLARIZAÇÃO

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Nesse cenário, o mundo assistiu atônito a uma polarização incomum ao sistema americano. Representada por Hillary e Trump, que, não raras vezes, fizeram críticas (e foram incitados a fazê-las) ao caráter e à personalidade do outro, a polarização ficou evidente nas redes sociais, mas extrapolou a internet. Na terça-feira 1º, uma igreja batista em Greenville, Mississippi, foi queimada durante a noite e amanheceu com a pichação “Vote em Trump” estampada no muro. O local era majoritariamente frequentado por negros, que, em geral, votam nos democratas. Na semana anterior, uma moradora de rua foi agredida enquanto protestava a favor de Trump sobre a estrela dele na calçada da fama de Hollywood, que, dias antes, havia sido vandalizada.

O fenômeno foi medido por números. Segundo o instituto de pesquisas Pew Research Center, de Washington, que calcula a polarização do eleitorado americano desde 1992, pela primeira vez as maiorias dos dois partidos expressaram não só uma visão “desfavorável” em relação aos adversários, mas “muito desfavorável”. Mais da metade dos democratas entrevistados disse ter “medo” do Partido Republicano. Entre os eleitores republicanos, 49% se sentem assim. O estudo identificou ainda que, muitas vezes, a rejeição das bandeiras adversárias é maior do que a aceitação das bandeiras de seu próprio partido. Isso porque 20% dos democratas e 16% dos republicanos “quase sempre” concordam com as posições da sigla, enquanto 44% dos dois grupos “quase nunca” concordam com as posições dos rivais.

Nas semanas finais da campanha, a candidatura de Trump, que parecia derrotada após uma série de acusações de assédio sexual contra ele, ganhou sobrevida com um novo escândalo envolvendo Hillary Clinton. O diretor do FBI James Comey anunciou a retomada do processo que investigou o uso de um servidor privado de e-mails por Hillary quando ela era Secretária de Estado. As mensagens foram descobertas por acaso, quando os policiais vasculhavam o computador do ex-deputado Anthony Weiner, que, até agosto, era casado com uma assessora da candidata, Huma Abedin. “Não trabalhamos com informações incompletas”, disse um Obama irritado com a conduta de Comey. “Operamos com base em decisões concretas.” Se, há quatro anos, quando foi reeleito, o presidente reciclou o tom da esperança que havia utilizado em 2008, desta vez a desesperança já tem vitória garantida. Na semana passada, muitos americanos começaram a se perguntar o que será dos EUA se Trump for eleito. Há quem aposte que o país irá se arrepender, como muitos britânicos lamentaram o resultado do plebiscito que definiu a retirada do Reino Unido da União Europeia (leia reportagem na página a seguir). Chegou a hora da verdade.

Pena de morte na berlinda

Além de escolher o novo presidente, os eleitores da Califórnia votarão na terça-feira 8 sobre a aplicação da pena de morte no Estado. Atualmente, existem 746 pessoas no corredor da morte, quase o dobro do segundo maior corredor, na Flórida. Uma das propostas em debate extingue a pena capital e a substitui por uma prisão perpétua sem chance de liberdade condicional. Para os defensores dessa mudança, o sistema atual é “custoso” e “falido”, comete erros e pune mais os negros e latinos que os brancos. Seus adversários argumentam que a pena é raramente utilizada e apenas em casos hediondos, como para assassinos de crianças. Para eles, uma reforma deveria acelerar as execuções, aumentando a oferta de advogados e limitando os apelos ao Estado para, no máximo, cinco anos.

Fotos: Justin Merriman/Getty Images/AFP; Robyn BECK/AFP; Manuel Balce Ceneta/AP


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