Fosse apenas pelo lado angelical, o brasileiro João Havelange poderia ter sido, na última semana, alvo de recorrentes homenagens nas arenas olímpicas do Rio de Janeiro. Ex-atleta da natação e do polo aquático, Havelange comandou o futebol brasileiro de 1956 a 1974. Reinou sobre o esporte mais popular do mundo de 1974 até 1998 e só se aposentou em 2013. Foi sob suas braçadas que o futebol se tornou um faraônico modelo de business planetário, envolvendo milhares de clubes, federações e multinacionais espalhadas pelos cinco continentes. Havelange criou os Mundiais Sub 17 e Sub 20, a Copa das Confederações
e o Mundial feminino. À frente da poderosa Fifa por 24 anos, o brasileiro filho de belgas rompeu com o domínio até então exercido pela Europa sobre a entidade e trouxe asiáticos e africanos não só para os gramados como também para o centro da cartolagem mundial. Assim, democratizou o futebol. Ao mesmo tempo, é claro, angariou um punhado de eleitores que o mantiveram no cargo por mais de duas décadas.

Havelange tinha 100 anos de idade quando fechou os olhos definitivamente na terça-feira 16, em decorrência de problemas pulmonares, exatamente no momento em que o Rio de Janeiro fervilhava com os Jogos Olímpicos. A morte do centenário dirigente, no entanto, não encontrou maior ressonância entre os organizadores dos Jogos e nem entre atletas ou torcedores.

Na verdade e por mais contraditório que possa parecer, a falta de homenagens a Havelange se deve exatamente a seus próprios feitos. O que ficou comprovado nos últimos anos é que as ações do eficiente cartola nem sempre foram pautadas pelo bem. Além do anjo, haviza um capeta ditando as ações do cartola. Havelange deixou a ribalta pela porta dos fundos. Em 2013 renunciou ao cargo de presidente de honra da Fifa, o que já havia feito dois anos antes como membro do Comitê Olímpico Internacional (COI). Nos dois casos, tomou a drástica decisão depois de ter sido denunciado com um dos líderes de um bilionário esquema de corrupção envolvendo os direitos de transmissão dos jogos da Copa, que levou à cadeia dirigentes de diversos países. Passou os últimos três anos no ostracismo e quase sempre em silêncio. Havelange foi, de fato, um anjo para o futebol. Tudo o que fez e proporcionou gerou tanto dinheiro que acabou corrompido pelo próprio feito.