Celine não brinca muito de boneca porque prefere os cavalos. Seus pais trabalham e vivem no Centro Hípico Haras Jahú, em Vargem Grande, no interior de São Paulo. Ela ficou doida para montar depois que viu as crianças na escola de equitação do local. Sua vez chegou quando ganhou uma das vagas dadas aos filhos dos trabalhadores.

Valdirene Oliveira Souza, mãe de Celine e auxiliar de limpeza no haras, conta que não teria condições financeiras de matricular a filha no curso. Os pacotes giram em torno de R$ 500. É puxado para eles – o marido Roberto Nere dos Santos, o Betinho, é tratador de animais.

Celine Oliveira Santos está aproveitando a chance. No ano passado, ganhou o Campeonato Brasileiro de Adestramento na categoria pônei. Foi a sua primeira competição desde que começou a aprender. Por causa da conquista, ela foi uma das homenageadas no Prêmio Hipismo Brasil 2016, na Hípica Paulista, em São Paulo.

Os bons resultados continuam no Campeonato de Salto Iniciante da Regional Metropolitana, da Federação Paulista de Hipismo. Ela e outros dois filhos de funcionários do haras, o Pedro e a Clara, estão entre os 10 melhores competidores. Como são muito miudinhos, eles competem com pôneis na categoria 40 cm, essa altura dos obstáculos, que podem chegar até 90 cm para os iniciantes. Celine monta o Algodão Doce; Pedro compete com o Brigadeiro – os cavalos são da escola.

De um total de 50 alunos da escola do haras, oito não pagam. Não existe distinção. Ninguém sabe quem é filho de um tratador e quem não é. O curso traz uma mensagem clara de democratização do hipismo.

Esse movimento de inclusão vai além da iniciativa do haras, que já dura vários anos – os administradores perderam a conta de quando foi a primeira turma. A própria Federação Paulista criou neste ano o Paulistão, torneio com todas as categorias disputando o mesmo concurso ao longo de três semanas. Foi uma iniciativa bem-sucedida para atrair mais participantes.

Além disso, um grupo de apoiadores financia a participação das crianças nas provas, uma espécie de padrinhos. Esse grupo não gosta de aparecer – o Estado tentou contato com alguns representantes -, sem sucesso. Afirmam que a ideia é apenas “dar oportunidades para todos”.

MONTAR É CARO – Vagno Lorenzo, pai do Pedro, conta que um cavalo mais baratinho custa entre R$ 15 mil e R$ 20 mil. Na semana passada, ele estava em Brasília depois de percorrer mil quilômetros de caminhão para cuidar dos sete animais que competiram no Campeonato Brasileiro de Salto. “Tenho muito orgulho do Pedro”, disse o tratador.

Entre transporte, inscrição, diária do tratador, baia do cavalo e o quarto de sela, o investimento de cada padrinho pode chegar até a R$ 1.000 por prova. Pedro Henrique já tem o seu. Cristina Badocco, administradora do local, explica que o objetivo do projeto é usar o esporte como instrumento educacional. O desempenho escolar é pré-requisito para montar. “É mais que um projeto, é uma filosofia, um conceito. O esporte transforma a vida das pessoas e pode abrir muitas portas”, disse.

A motivação da administradora vem também de uma história pessoal ligada ao esporte. Ela é mãe de duas atletas da seleção brasileira de polo aquático, Tess e Amanda Oliveira, que participaram da Olimpíada do Rio-2016. Foi a primeira vez que o Brasil disputou a modalidade em uma Olimpíada. “Conheço bem as dificuldades que os atletas enfrentam para progredir”, contou.

Para a professora do curso, Tati Rodrigues, a formação de cavaleiros olímpicos não é o primeiro objetivo das aulas mais inclusivas. A ideia é promover o crescimento pessoal, melhorando as partes motora, intelectual e psicológica. Os bons resultados são consequência da dedicação, disciplina e, claro, do talento. “Queremos formar crianças melhores. Com autoconfiança e autoestima, elas percebem que podem ir longe”.

Joselma Bispo conseguiu ir além. Viveu no haras na infância, pois seu pai, Israel, era auxiliar de serviços gerais – está lá até hoje. É praticamente a mesma história do Pedro e da Celine. A diferença é que ela saiu do haras, não quis saber de cavalo e formou-se em Pedagogia. Anos atrás, voltou a morar com os pais.

Joselma conta que a sua filha, Mickaelly Alves, de 8 anos, adora cavalos e já entrou nas aulas. A equitação serviu para duas coisas na vida de Mickaelly. A primeira foi superar a ausência do pai. “Ela dizia que nunca ia poder fazer na vida sem pai”. O outro ganho foi um sonho: ser amazona, palavra que ela nem sabia o que era antes de virar aluna de equitação.