O calor inclemente já castigava o carioca na manhã de sábado, 14 de dezembro de 1968, enquanto a quina superior esquerda da primeira página do Jornal do Brasil levava aos seus leitores o seguinte prognóstico:

“Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O País está sendo varrido por fortes ventos. Máx.: 38º, em Brasília. Mín.: 5º, nas Laranjeiras”.

Não, não havia dado a louca no editor responsável por publicar a previsão do tempo. Nem o clima no bairro das Laranjeiras, que não raro satisfeito sorri, poderia contrastar tanto com o do restante do Brasil e do Rio de Janeiro. Afinal, àquela altura, o tricolor da rua Álvaro Chaves — o único, já que o resto são times de três cores, conforme sentenciou Nelson Rodrigues — ostentava ao mesmo tempo em seu plantel o prata da casa Telê Santana, como treinador, e Abel Braga, um promissor zagueiro em início de carreira. Quem conhece, sabe. Frio? Impossível.

Ao incauto, a previsão implausível poderia ter passado despercebida, mas tratava-se de uma mensagem cifrada. Na véspera, irrompera o golpe dentro do golpe de 1964, com a edição do AI-5, recrudescendo a ditadura no Brasil. Minutos depois de o governo decretar o Ato Institucional, pela voz de Alberto Curi, cinco oficiais do Exército invadiram a redação do JB no Rio, porta a dentro, como uma cavalaria esfomeada e afoita, a fim de censurar a publicação.

O vaticínio meteorológico em código, obra e graça do editor-chefe Alberto Dines e do copidesque Roberto Quintaes, foi a maneira encontrada pelos jornalistas de driblar as mãos de tesoura do censor e ficou marcado indelevelmente na história como um dos símbolos da luta contra a ditadura: a “máxima de 38º em Brasília” referia-se ao número da medida Complementar que fechou o Congresso, e a “mínima de 5º em Laranjeiras”, ao quinto e acachapante ato responsável por sepultar a liberdade — baixado no Palácio das Laranjeiras .

São tempos de trevas dos quais não podemos jamais esquecer, para que nunca mais aconteça. Hoje, tomando emprestado uma expressão cunhada pelo marechal Humberto Castello Branco, não faltam vivandeiras alvoroçadas para ir aos bivaques bulir com os granadeiros e causar extravagâncias ao poder militar. Retrocedemos, pois.

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O vaticínio meteorológico em código, obra e graça do editor-chefe Alberto Dines e do copidesque Roberto Quintaes, foi a maneira encontrada pelos jornalistas de driblar as mãos de tesoura do censor


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