José Dirceu é um cidadão brasileiro. A Constituição garante a todo cidadão brasileiro o direito de responder por seus eventuais crimes em liberdade até o trânsito em julgado e o entendimento mais recente do Supremo Tribunal Federal prevê que a execução penal deve começar após uma condenação em segunda instância. Portanto, aplicando-se a lógica mais elementar ao caso Dirceu, o STF, com o voto decisivo do ministro Gilmar Mendes, simplesmente aplicou a lei – o que, em sociedades menos bestializadas, seria aceito com total naturalidade.

Qual é o problema, então, do caso Dirceu? Ao longo dos últimos dez anos, o ex-ministro perdeu sua condição humana. Foi submetido a um dos mais intensos massacres midiáticos da história do País. Como “monstro”, e não mais como cidadão brasileiro, Dirceu teria perdido o direito às mesmas garantias que devem valer para todos. O ex-capitão do time de Lula, e símbolo da luta de uma geração, passara a ser um Inimigo do Povo, como na peça de Ibsen. Na sexta-feira 5, ao chegar em casa, depois de dois anos preso preventivamente, quase foi agredido por hordas fascistas que exigiam vingança e não Justiça – até porque sua condenação no chamado “petrolão” ainda não foi confirmada por um colegiado de juízes.

Na mesma noite, manifestantes ensandecidos também cercaram o Instituto de Direito Público, que tem o ministro Gilmar Mendes entre seus sócios. Assim como Dirceu, Gilmar foi transformado em Inimigo do Povo. Petições online, com centenas de milhares de assinaturas, pediam seu impeachment. O movimento vemprarua, ligado ao PSDB, incitava a violência, tratando-o como “inimigo da nação”.

De forma trágica o destino uniu dois personagens da história brasileira, que se tornaram alvos dessa nova onda fascista. E o que hoje intriga muitos brasileiros e brasilianistas esclarecidos é como o Brasil, antiga pátria da tolerância e da conciliação, chegou a esse ponto de ignorância e extremismo? De um lado, cercado por uma mídia que nada mais fez do que incitar ódio nos últimos anos, o STF deixou para resgatar as garantias institucionais quando já era tarde demais – depois que determinados objetivos políticos foram alcançados. De outro, o PT não fez um mea culpa por também ter usado instrumentos de estados policiais contra seus adversários políticos. Na Operação Navalha, por exemplo, o próprio Gilmar Mendes foi alvo de vazamentos criminosos, que tentavam desqualificá-lo como juiz.

Dirceu, o “guerreiro do povo brasileiro”, e Gilmar, um dos alvos mais constantes do PT nos últimos anos, se encontraram numa encruzilhada histórica, que irá decidir se o Brasil voltará a ser uma democracia ou se será engolido pelo fascismo. O monstro saiu da garrafa e ninguém sabe como colocá-lo para dentro.

De forma trágica, o destino uniu dois personagens centrais da história brasileira, que se tornaram alvos da nova onda fascista