Nas vastidões das Highlands escocesas, no extremo norte do país, ao mesmo tempo em que o Império Romano desmoronava, um homem jovem e robusto era brutalmente morto nos fundos de uma caverna. Pertencente ao povo que inspirou os “selvagens” do seriado “Game of Thrones”, sua saúde de ferro não o impediu de ter um destino semelhante ao de muitos personagens da trama. Usando uma clava, seus agressores miraram na cabeça. Primeiro, quebraram seus dentes e mandíbula. Desnorteado, ele caiu para trás e bateu a nuca numa pedra. Os dois últimos golpes, fatais, perfuraram e racharam seu crânio. Depois, os homens colocaram-no numa estranha posição, com as pernas cruzadas e grandes pedras sustentando os membros inferiores e superiores. Ao lado do corpo, fizeram um pequeno banquete. O prato, carne de vaca. Quem era esse indivíduo, qual foi o motivo do crime e por que seus algozes simplesmente não o abandonaram após o assassinato? São essas as perguntas que arqueólogos e antropólogos forenses responderam enquanto estudavam e reconstruíam o rosto deste que é um dos mais completos esqueletos do período. De quebra, descobriram que ele foi bonitão. “O achado desse homem é incrivelmente importante”, disse à ISTOÉ Steven Birch, que está à frente da escavação. “O solo ácido da Escócia não permite a sobrevivência de muitos restos mortais. Geralmente, só sobram fragmentos desarticulados.”

Chamado pelos pesquisadores de homem de Rosemarkie (nome da vila onde foi encontrado), ele pertenceu aos pictos ou a outro povo que viveu ali no começo da Idade Média. A Escócia era considerada território bárbaro por Roma, que levantou o famoso Muro de Adriano no extremo norte do império, hoje Inglaterra. Sua função: oferecer proteção contra aqueles considerados primitivos, que viviam do outro lado. Essa construção inspirou a Muralha de “Game of Thrones”, barreira de gelo que separa os reinos feudais das pessoas que vivem além dela. Ao longo da série, os “selvagens” decidem invadir ao primeiro sinal de fraqueza da monarquia. Da mesma forma, sociedades históricas como a dos pictos foram ocupando extensões romanas enquanto o império colapsava. O homem de Rosemarkie viveu justamente nessa época, entre 430 e 630 d.C. “Muito pouco é conhecidos dos pictos, mas eles não eram incivilizados de maneira nenhuma”, afirma Sue Black, professora de antropologia forense do Centro de Anatomia Humana da Universidade de Dundee. “Existe uma forte cultura associada a eles, no entanto simplesmente muito pouco dela sobreviveu.”

SACRIFÍCIO RITUAL
Encontrado em 2016 por arqueólogos chefiados por Birch, o corpo foi enviado à equipe forense de Dundee para estudo. Lá, os cientistas detectaram ferimentos e reconstruíram o rosto – que acaba de ser finalizado (leia quadro). Logo depois da análise, os pesquisadores levantaram a hipótese de que se tratasse de homicídio simples. Porém, evidências arqueológicas sugerem que é mais provável que ele tenha sofrido um sacrifício ritual. Equipamentos de ferraria e restos de metais achados na caverna onde o esqueleto foi descoberto mostram que o local foi usado como uma forja, que só começou a funcionar após o assassinato. No período, a atividade era considerada um processo mágico. Portanto, o homem de Rosemarkie deve ter sido dado como oferenda aos deuses. Daí a explicação das estranhas pedras posicionadas junto ao cadáver e dos restos de comida ao redor. A prática hoje soa brutal, mas naquele tempo podia se tratar de uma honra. Morto pelado, ele possuía excelente saúde, pois não foram encontrados sinais de doenças. Sua idade estava entre 30 e 40 anos. Media entre 1,65 e 1,70 m. Atlético, tinha todos os músculos bem desenvolvidos, mas se destacavam os dos braços e das mãos. “Uma parte do trabalho se baseia em médias da população”, afirma Christopher Rynn, pesquisador do Centro de Anatomia de Dundee. “Mas isso só conta metade da história, assim precisamos analisar características individuais que o distinguem dos demais.”

Daqui para frente, os restos mortais devem ser expostos numa galeria local ou no Museu Nacional, em Edimburgo, o que ainda não foi decidido. Em 2017, serão realizadas novas fases de escavação na caverna e em outras duas outras adjacentes a ela, onde os arqueólogos esperam encontrar mais detalhes da vida no período.

DE VOLTA À VIDA
Como o rosto de um homem morto há mais de um milênio reconstruído

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