O ator Mario Gomes, 65 anos, voltou às manchetes na semana passada. Desta vez, não foi graças a um personagem como os que ele viveu nas novelas “Duas Vidas”, “Gabriela”, “Anjo Mau” ou “Guerra dos Sexos” — e nem por um boato, como já ocorreu no passado. O sucesso veio a bordo de um carrinho no qual vende sanduíches na praia de Joatinga, onde mora, no Rio de Janeiro. Ali, o ator que foi um galã da TV Globo nas décadas de 1970 e 1980 vive seu novo papel da vida real: o de ambulante. A cena ganhou as redes sociais, onde Gomes recebeu enorme apoio. “Acho que isso é fruto de um momento do Brasil que busca dignidade e me viu como um símbolo”, diz. A imagem atual contrasta com a do tempo em que foi vítima de uma falsa notícia envolvendo sua masculinidade, o que fez dele motivo de chacota até fora do País. Os responsáveis, segundo Gomes, foram Daniel Filho, ex-diretor da Rede Globo, e o então influente produtor Carlos Imperial (1935-1992). Casado, pai de quatro filhos com idades entre sete e 24 anos, o ator conta que já pensou em se candidatar a vereador, diz estar finalizando sua autobiografia e resume a si mesmo como “invencível”.

Como tem lidado com a enorme repercussão do trabalho como vendedor de sanduíches na praia em frente à sua casa?

Como diz a frase bíblica, “Os humilhados serão exaltados”. A vida me bateu muito, apesar de eu sempre ter sido honesto, do bem, e agora me sinto feliz. Já chorei muito devido às coisas boas que estão acontecendo. As pessoas estão entendendo que fui fazer o meu trabalho digno. Não esperava essa repercussão, sinceramente. Acho que isso é fruto de um momento do Brasil que busca a dignidade, a honestidade, e me viu como símbolo dessa nova proposta. Um cara que todos conhecem a história. De certa forma, penso que encarno, agora, um momento de honestidade que o País está precisando. Estou eufórico. Eu fui à luta, não tive pudores, e chegou a minha hora, vamos para frente. Espero que as pessoas se sintam estimuladas a se reinventar também.

Essa sua “reinvenção” foi causada por dificuldades financeiras?

Não, graças a Deus, não. Eu tenho rendas. Minha mulher (a arquiteta Raquel Palma) também tem um patrimônio razoável. Temos uma vida que dá para o meu arroz integral, meu açafrão e meus legumes. Isso que interessa: saúde.

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Eu não alugo a minha casa. O que alugo é um apartamento que fica embaixo da casa, por temporada ou contrato longo, onde também hospedo amigos, eventualmente. Minha casa é linda, espetacular, de frente para o mar. Não é tão ampla quanto eu gostaria porque tenho quatro filhos, mas está todo mundo bem acomodado. O carrinho que uso para vender sanduíches foi todo feito por mim, e também faço móveis, molduras para espelhos, janelas. Tudo para a nossa casa.

A que se refere ao dizer que “a vida me bateu muito”?

Fui prejudicado profissionalmente por motivos pessoais. Eu tinha uma carreira promissora, mas não me deixavam mais trabalhar. Não tive chance no cinema. Por que será? Meu nome foi escolhido para um personagem importante na novela “A Favorita” (2008), porém, na hora H, deram o papel para outro. Queriam se livrar de mim lá na Globo. Entrei em um mundo difícil, que não aceita as coisas como elas são. E fui muito retaliado.
Está falando do ex-diretor da Rede Globo, Daniel Filho?
Sim. Ao mesmo tempo, quero que fique bem claro que ele não tem culpa de nada, a vida nos levou para essa situação. E eu sofri. Infelizmente, me envolvi com alguém e isso me prejudicou muito (ele teve um romance com a atriz Betty Faria na década de 1970, quando ela era casada com Daniel Filho). Daniel falou para a Lucélia Santos que, por ele, eu nunca mais faria novela. Para a (atriz) Maria Zilda, segundo ela me contou, disse que eu era um babaca. Também soube que ele me chamava de veado. Ele tinha muita raiva, eu o procurei várias vezes, pedi desculpas. Mas ele nunca aceitou, tinha uma postura agressiva, altiva.

Ficou sem trabalho?

Pior, fiquei sem expectativas em todas as áreas. Eu estava lutando para me encontrar e achava que com aquele relacionamento poderia conseguir, mas não era bem isso. Percebi que eu é que tinha que me encontrar, que ninguém iria me ajudar. Foi uma época em que tive muita visibilidade e talvez não tivesse domínio emocional para tanto. Mas depois desse episódio, as portas se fecharam para mim.

Ainda na década de 1980 circulou uma notícia a seu respeito envolvendo uma situação um tanto bizarra. Sabe a autoria daquele boato?

Tudo indica que foi o Carlos Imperial, juntamente com o Daniel Filho. Quando eu li a nota da cenoura, eu ri, dei gargalhada.Principalmente pela forma como foi colocado, que eu teria dado entrada numa maternidade, achei que todo mundo ia perceber que era uma galhofa essa notícia falsa, falando ‘tubérculo’… (A matéria dizia que Mario Gomes havia dado entrada em um hospital com uma cenoura no ânus). Era engraçado, era para rir. Mas não foi assim. No dia seguinte à publicação, que eu ainda não tinha lido, fui jogar futebol com amigos no campo Caxinguelê, como sempre, e tinha uns caras gritando “Cenoura! Cenoura!”, mas eu não achei que aquilo era comigo. Aí me contaram e eu, na maior inocência, ainda perguntei: “Que cenoura?” Só depois li a matéria fictícia no jornal “Luta Democrática”, em que o Imperial tinha muita influência.

De que forma aquilo mexeu com você?

As pessoas começaram a me chamar de veado nas ruas, penduraram uma cenoura na antena do meu carro, furaram um pneu. Começou a ficar absurdo. Fui alvo de uma gargalhada mundial porque circulou fora do Brasil também. Fiquei soterrado por aquilo, não podia sair de casa, foi apavorante. Sem saída. Vai falar o quê sobe isso? Dizer: “Não faço isso?” Mas o pior foi uma emboscada que fizeram paralelamente.

Embioscada? Como assim?

Plantaram uma matéria na revista “Amiga” atacando meu pai, falecido, de forma vil. Achavam que eu era uma pessoa violenta somente porque era amigo da família Gracie (de lutadores de jiu-jitsu), embora, na real, eu sempre tenha sido contra lutas. Mas esperavam que eu reagisse de forma agressiva contra a revista ou a editora e, assim, ficasse com a imagem, para a opinião pública, de um cara que briga por causa de uma brincadeirinha de cenoura. Essa matéria sobre meu pai me deixou abatidíssimo, deprimido, sofri demais. Mas ninguém tomou conhecimento dessa história. O negócio da cenoura foi impressionante. Só isso ficou.

Acha que não soube lidar com o sucesso?

Olha, por causa dessas confusões todas com as quais me envolvi no começo da minha carreira, até tive mais sucesso. Talvez tenha até me alçado a uma posição de visibilidade muito grande, mas não porque eu quisesse. Mas é assim que funciona o mundo da audiência. O custo pessoal, entretanto é grande. Aos 14 anos, fui diagnosticado com síndrome do pânico, doença que não é curável mas com a qual pode-se viver sob controle. Sofri muito com tantos problemas até conseguir chegar à harmonia na qual vivo hoje.

Se considera um bom ator?

Diziam que eu seria o substituto do Tarcisio Meira, na época. Mas eu era muito novo, não tinha maturidade e nem me conhecia. Passava a ser o personagem que estava interpretando. Andava na rua com o cabelo coberto de gel, como o personagem que fazia em “Gabriela” (1975). Era uma coisa ingênua, infantil. Eu sabia dizer bem o texto, tinha intuição muito aguçada. Descobri, depois, que sou um ator de humor competente, vamos dizer assim. Posso me sentir, às vezes, culpado por ter merecido tantas dádivas, ser um cara fisicamente bonito. Já aconteceu de ter um cara com muito mais talento e eu ganhar o espaço porque tenho uma boa figura. É doloroso do ponto de vista da consciência. Mas me estimulava a buscar me preparar melhor, e hoje me considero um bom ator, tenho domínio na arte de representar.
Está trabalhando em algum projeto como ator?
Tenho dois papéis importantes na série “Magnífica 70” (do canal por assinatura HBO), que está na terceira temporada. Tenho vários convites para teatro, curta-metragem, alguns recebidos depois da fama causada pelo carrinho de sanduíches. Vamos ver. Mas tenho outros projetos muito interessantes, como levar o Horta Carioca para o Retiro dos Artistas, com apoio da Prefeitura. Também estou fazendo um trabalho no Polo de Cinema do Rio de Janeiro, de cursos gratuitos. E pretendo expandir o negócio com os sanduíches.

Planeja criar uma rede?

Pode ser. Por agora, devo abrir um “food bonde”, que é um bonde para vender sanduíche, no Arpoador, em Ipanema, a convite da Superintendência Municipal da Zona Sul. Eles estão revitalizando a região e gostaram das minhas ideias. No Leblon, bairro vizinho, terei um ponto em parceria com um velho amigo, com outro carrinho Little Big, igual ao que tenho na Joatinga.

Como surgiu a ideia de entrar nesse ramo?


Foi a partir dos hiatos entre uma gravação e outra. Na verdade, salvo poucas exceções, as pessoas mais velhas vão perdendo espaço na TV. Isso gera insegurança, passamos a ter uma relação de biscate com a arte. Para não ficar louco, tem que procurar alternativas. Gosto de cozinhar e estou vendendo os sanduíches que faço em casa. Está tendo ótima aceitação. Agora vou criar um de peixe e, talvez, carne fatiada também. Minha agenda de trabalho com o carrinho depende da outra, de ator. Estarei sempre presente na praia, mas não o tempo todo. E tenho outros planos também.

A política está entre seus planos para o futuro?

Tinha vontade, nessa nova fase, de me candidatar a vereador. Até estive no PSB. Mas não senti firmeza. Quero levar o teatro para as salas de aula porque ele ajuda o autoconhecimento, ajuda a vencer a si mesmo. Tenho uma autobiografia quase completa. Há poucos dias, fui assaltado por um cara armado perto de minha filha caçula e minha mulher. O cara levou meu relógio, um Rolex que vale uns R$ 30 mil. E ainda fiquei agradecido porque não atirou ou matou alguém. Depois de tudo o que passei, posso dizer que as dificuldades acabaram me ajudando a me tornar o que sou. Sabe o que sou hoje? Invencível.


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