Frei Betto em Havana velha, perto da Catedral de Havana (Foto: Gisele Vitória)
Frei Betto em Havana velha, perto da Catedral de Havana (Foto: Gisele Vitória)

Fidel Castro foi internado quatro dias antes de sua morte, na tarde de sexta-feira 25, mas manteve-se consciente até o fim. Seus rins já não funcionavam mais e ele tinha falência de múltiplos órgãos. “Ele conversou com o irmão, Raul Castro, horas antes de morrer. Ele sabia que estava no fim da vida”, contou Frei Betto, ao desembarcar nesta sexta-feira 2 no Brasil depois de participar do funeral do ex-presidente cubano. Cada detalhe do ritual de seu funeral foi planejado pelo próprio Fidel, conta o escritor e frade dominicano brasileiro, autor do livro “Fidel e a Religião”, entrevista histórica com o líder da Revolução Cubana feita nos anos 80. A obra reaproximou Cuba do Vaticano e mudou a vida dos cubanos, restituindo a liberdade religiosa e de crenças da população. No livro Frei Betto/Biografia, lançado esta semana no País, Fidel Castro assina o prefácio, seu último texto publicado.

IstoÉ – O sr. chegou nesta sexta-feira de Havana. Como está transcorrendo o funeral de Fidel Castro?

Frei Betto – Uma consternação geral. Filas e filas para passar na homenagem a ele. Muitos chefes de Estado. Até gente que não concorda com o regime e a política de Cuba, como o rei do Quatar  (o xeque Tamim bin Khalifa Al Thani). O rei da Espanha (Filipe VI) também estava. Foi uma comoção geral. América Latina muito presente na cerimônia que durou quatro horas na Praça da Revolução. Havia mais de um milhão de pessoas na praça, isto numa cidade que tem dois milhões de habitantes. Foi algo muito grande e agora está acontecendo este giro pela ilha. O funeral termina domingo em Santiago de Cuba, onde a revolução foi iniciada e onde a urna com as cinzas de Fidel ficarão do lado dos restos mortais de José Martí (criador do Partido Revolucionário Cubano e organizador da Guerra de 1895) , no mesmo cemitério de Santa Efigênia.

“Lula, Dilma e Stédile, do MST, foram convidados  e devem ir à cerimônia que encerra o funeral”

IstoÉ – Quem estará lá para a cerimônia?

Do Brasil, Lula, Dilma e João Pedro Stédile ( líder do MST) foram convidados e devem ir à cerimônia.

IstoÉ – O sr. conversou com Raul Castro?

Conversei brevemente. Fui cumprimentá-lo durante o funeral. Tivemos uma conversa rápida, ele me perguntou quando eu tinha chegado, quando iria embora, falamos pouco. Era uma fila muito grande de gente para cumprimentá-lo. Não nos encontramos depois. Eu encontrei depois com os filhos de Fidel. Jantei com Fidelito, o mais velho, e os outros cinco filhos que ele teve com sua última mulher, Dalia (Soto Valles). Mas não estive com ela, que estava muito abatida.

“Fidel e Raul Castro conversaram horas antes da morte. Fidel estava consciente de que era o fim”

IstoÉ – Qual foi a causa de sua morte?

Ele morreu de falência de múltiplos órgãos. Ele foi internado no hospital quatro dias antes, sempre consciente. Na manhã do dia em que ele morreu – ele morreu no final da tarde do dia 25 – ainda conversou com o irmão Raul, e consciente de que era o fim. Já não funcionavam os rins e a máquina do organismo começou a falhar.

IstoÉ – Mas ele teve uma pneumonia, algo agudo que justificou a internação? Ele tinha uma doença mais grave?

Foi apenas isso que me disseram, não vou acrescentar nada a mais porque não sei. Estou reproduzindo exatamente o que me disseram. Falência dos órgãos, mas a consciência ficou lúcida até o fim.

IstoÉ – Saberia dizer quais foram suas últimas palavras?

Ele conversou com Raul, mas não sei o que eles falaram. Os filhos não falaram nada. O Fidelito não foi ao hospital, o mais velho.

IstoÉ – Por que?

Não sei. Não perguntei. Nem me passou pela cabeça perguntar. Eu não estava com muito espírito jornalístico. Eu estava lá para a despedida do amigo.

IstoÉ – Como foi relatada essa consciência que de que ele estava no fim?

Havia muita serenidade nele. Me passaram isso. Fidel tinha serenidade ao perceber que estava nos últimos momentos.

“Toda a cerimônia do adeus foi estabelecida por ele.”

Fidel deixou escritos?

Não sei. Eu sei que todo o ritual do funeral foi previsto por ele.

IstoÉ – Ele estabeleceu cada passo do funeral?

Ele estabeleceu tudo. Isso me foi contado. Ele determinou que queria ser cremado. Os dias que o funeral deveria durar. O cortejo da urna funerária pela ilha. Toda  a cerimônia do adeus foi estabelecida por ele.

IstoÉ – Foi deixada por escrito?

Acho que deve ter sido. Esses detalhes todos ninguém guarda de memória.  Acredito que tenha sido previsto bem antes do estado de saúde dele se agravar. Ou até antes de adoecer, pensando se um dia partisse. Fidel sofreu 634 atentados e, aos 90 anos, morreu na cama. É a vitória de Davi contra Golias.

IstoÉ – O que mais lhe chamou atenção no prefácio de Fidel, seu último escrito, que abre a biografia recém-lançada sobre o sr.?

Os autores me pediram há três anos. Pedi e ele fez. É um prefácio afetuoso. Ele sublinha que faço muitas críticas, que a gente tem discrepâncias e isso nunca interferiu na nossa amizade. Isso gostei muito. Graças a essa amizade foi resgatada a liberdade religiosa em Cuba e isso me levou a outros países socialistas, onde também pude ter uma atuação. Sempre tive uma forte admiração por ele e essa amizade me colocou num novo campo de trabalho: a relação igreja estado no mundo socialista. Eu era um interlocutor privilegiado. Ele me chamava. Queria me ouvir. Era uma amizade, mas cuja iniciativa era unilateral. Sempre dependia dele.

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