Quem melhor definiu o trabalho do pintor, arquiteto, cenógrafo e figurinista Flávio Império (1935-1985) foi o diretor e criador do Teatro Oficina, José Celso Martinez Corrêa, que com ele trabalhou pela primeira vez em 1962, numa montagem de Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams. Império, segundo o diretor da peça Roda Viva (1968), foi o homem que revolucionou a ideia do espaço cênico no teatro brasileiro, abolindo a fronteira entre palco e plateia, além de criar figurinos ritualísticos como os mantos de Bispo do Rosário.

Império trabalhou com o Oficina em espetáculos memoráveis. Em Um Bonde Chamado Desejo, explorou o palco “sanduíche” do arquiteto Joaquim Guedes, antecessor da passarela que Lina Bo Bardi conceberia para o teatro – e que, literalmente, iria conduzir os atores para a rua nos espetáculos mais radicais do grupo. Tirando partido dos tubos metálicos que permitiam a plateia (dividida em dois planos) “entrar” no apartamento da irmã de Blanche Dubois, Império optava pela verticalização, usando cortinados para separar os ambientes.

Essa ruptura com o espaço cênico tradicional foi intensificada após o incêndio que destruiu o Oficina. Império participou do novo projeto para o teatro, em 1967. Um ano depois, explorou o palco italiano com plataforma giratória, rompendo os limites entre atores e público. Isso aconteceu em Roda Viva (1968), de Chico Buarque.

Antes de trabalhar com o grupo, Império passou por outra experiência marcante. Seu primeiro grande trabalho como cenógrafo foi para a montagem de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, de 1960. Os cenários eram de juta, sugerindo a aridez do sertão. Pela primeira vez no teatro brasileiro foi usada uma projeção de imagens no palco, que evocava a odisseia dos retirantes.

Mas Império não desprezou o palco italiano. Tanto que, em 1964, na montagem que inaugurou o Teatro Ruth Escobar, o da Ópera dos Três Vinténs, da dupla Brecht-Weill, com direção de José Renato, inventou uma estrutura com praticável e cortinado que reforçava o distanciamento proposto pelo método brechtiano. Ele enfrentaria no mesmo ano um desafio ainda maior, o de lidar com a exigência de Arthur Miller para que o cenário de sua peça Depois da Queda fosse vazio. Império apostou, então, num jogo expressionista de luz e sombra, e numa divisão abstrata do espaço.

Esse despojamento minimalista foi radicalizado em Arena Conta Zumbi (1966), em que a rebelião de escravos ganhava ares épicos num espaço igualmente vazio, ao estilo de Peter Brook. Foi essa ideia que norteou a criação dos figurinos e cenários de Rosa dos Ventos (1971), musical de Fauzi Arap que consagrou Maria Bethânia – num dos números, a cantora vestia um figurino preto contra um cenário da mesma cor, numa sofisticada alusão ao suprematismo do russo Malevitch.

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No caminho inverso, em 1975, numa montagem da peça Réveillon, de Flávio Márcio (1945-1979), Império, também pioneiro em usar malha de algodão para sugerir paredes, recorreu a folhas de jornal e papel de parede corroído. Combinou esses elementos com uma parafernália de objetos cênicos e construiu uma alegoria visual da decadência de uma família de classe média, sustentada pela filha que se prostitui com a conivência silenciosa dos pais.

O cenógrafo despediu-se do teatro em grande estilo, mostrando que também no palco italiano era mestre e recorrendo, mais uma vez, ao ciclorama com malha esticada e tingida – sua marca registrada – no musical Chiquinha Gonzaga, Ó Abre Alas (1983).

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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